tag:blogger.com,1999:blog-25108159594313253552024-02-20T20:46:58.870-08:00ENTRONCAMENTO (port)vorübergehendhttp://www.blogger.com/profile/10119648142414527692noreply@blogger.comBlogger1125tag:blogger.com,1999:blog-2510815959431325355.post-36460607528462559772008-06-16T17:45:00.000-07:002008-07-09T03:57:41.960-07:00<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgcdn9MbWHlL3F9dJEdHrGznPJ80CixHcZpXt0u0dKAU7oUzqbTv5s9BmrmxNsO0YL0vxFNHHyQTEcE6LE1YJb45r4hXol2C21r8VrYqAk9H_yRLrNtY7Ef1A8y_q3pjfgbjWvAuTcdzipS/s1600-h/entronc295x407.jpg"><img style="display:block; margin:0px auto 10px; text-align:center;cursor:pointer; cursor:hand;" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgcdn9MbWHlL3F9dJEdHrGznPJ80CixHcZpXt0u0dKAU7oUzqbTv5s9BmrmxNsO0YL0vxFNHHyQTEcE6LE1YJb45r4hXol2C21r8VrYqAk9H_yRLrNtY7Ef1A8y_q3pjfgbjWvAuTcdzipS/s400/entronc295x407.jpg" border="0" alt=""id="BLOGGER_PHOTO_ID_5220966696435472898" /></a><br />TEXTO FRANCÊS:<br />→ <a href="http://entroncamentocapitaldocomboiocapitald.blogspot.com">http://entroncamentocapitaldocomboiocapitald.blogspot.com </a><br /><br />AUTOR:<br />CUNHA SIMÕES<br /><br /><strong>ENTRONCAMENTO:<br />o comboio<br />a terra<br />e os homens</strong> <br /><br /><br />O Entroncamento, baptizado<br />de Capital do Comboio,<br />pode também ser<br />proclamado capital da qualidade<br />de vida, do sossego,<br />do bem-estar e do prazer de<br />viver as delícias do campo,<br />com todas as vantagens de<br />uma cidade magnífica, onde<br />nada falta, e com o benefício<br />de estar a dois passos<br />dos grandes centros de cultura;<br />Coimbra e Lisboa.<br />As nossas catedrais são<br />as escolas, as de ontem e<br />as de hoje, as máquinas,<br />as carruagens, as igrejas,<br />os jardins. Autênticas ca-<br />tedrais do pulsar da vida e<br />da criação do ser humano.<br />Destacam-se como verdadeiros<br />monumentos: a segunda<br />Escola Camões, e as<br />casas do Bairro do mesmo<br />nome. Seguem-se as casas<br />do Bairro Vila Verde, as do<br />Bairro Frederico Ulrich, as<br />do Bairro do Boneco, as da<br />rua Latino Coelho. Os Bair-<br />ros Ferroviários. Enfim, a<br />Estação e os edifícios complementares.<br />O museu vivo<br />que foi semeado de carris,<br />carruagens e locomotivas,<br />sempre pronto a dar frutos<br />todo o ano. Quer mais monumentos,<br />quer mais história?<br />A locomotiva do jardim,<br />a Capela de São João<br />Baptista ou das Vaginhas,<br />a Igreja Matriz, a Igreja<br />Nossa Senhora de Fátima, a<br />bela central eléctrica e até o<br />edifício do Vapor, todos têm<br />alma, todos respiram beleza,<br />história e calor humano.<br />Além dos vários jardins,<br />espalhados pela cidade,<br />destacam-se pelo tamanho<br />e qualidade o Pereira Caldas,<br />o Serrão Lopes, e ainda<br />o fabuloso parque do Bonito,<br />com uma enorme albufeira<br />onde tudo é possível.<br />As merendas, as pescas, os<br />desportos.<br />O Entroncamento é uma<br />terra de grande densidade<br />populacional; cerca de 1500<br />habitantes por quilómetro<br />quadrado. Tem 22 000<br />habitantes. Mas ainda lhe<br />sobra espaço para ter uma<br />frondosa Zona Verde, pequenos<br />jardins espalhados<br />pela cidade e pulmões em<br />cada rua. Muitas casas possuem<br />um pequeno quintal,<br />algumas árvores e muitas<br />flores. É uma verdadeira cidade<br />jardim. Só folheando-<br />-a, a pé ou de bicicleta, se<br />lhe toma o aroma e se aprecia<br />na sua totalidade.<br />Respire o Entroncamento<br />na Primavera. Todas as ruas<br />têm cheiro.<br />O Entroncamento possui<br />vários centros comerciais,<br />centenas de estabelecimentos<br />e dezenas de grupos recreativos<br />e culturais.<br />No Entroncamento ainda<br />se ouve o cantar do galo, os<br />toques da alvorada e o murmúrio<br />do comboio.<br />Por armas de honra, valor<br />e mérito, o Entroncamento<br />ostenta um disco de<br />sinalização vermelho, dois<br />carris e uma coroa de cinco<br />torres.<br />É sobre esta cidade encantatória<br />que nos<br />v a m o s<br />debruçar.<br /><br />II<br /><br />Assim como os reis, os<br />guerreiros e os descobridores<br />se imortalizaram pelos<br />feitos que praticaram, da<br />mesma maneira os homens<br />que levantam as cidades e<br />lhes entregam o seu esforço,<br />também eles devem ficar<br />na história para que ao<br />morrer não desapareçam<br />com o mesmo destino dado<br />aos restantes animais.<br />Foi porque sempre assim<br />pensei que, simbolicamente,<br />ao escrever sobre o Entroncamento,<br />aqui misturo<br />o nome de alguns homens<br />que trabalharam no coração<br />e nas veias desta terra para<br />que ela se desenvolvesse<br />pela fusão de um punhado<br />de areia, carris, máquinas,<br />travessas e cascalho e<br />se tornasse uma agradável,<br />saudável e permanente cidade<br />em movimento.<br />São todos gente simples,<br />mas muito mais nobres que<br />muitos nobres. Desde o<br />simples carregador, o vendedor<br />de bilha e água, ou<br />de farnéis em sacos de papel,<br />o vendedor de jornais,<br />revistas e livros, todos foram<br />subindo pela sua inteligência,<br />pelo seu esforço e<br />pelo seu pensamento a lugares<br />de chefia na Coferpor,<br />a presidentes de Junta, até<br />aos Presidentes e aos Vereadores<br />da Autarquia, todos<br />Entroncamento, o comboio, a terra e os homens 11<br />eles cumpriram e cumprem<br />a sua missão. Todos serviram<br />e servem, com amor e<br />grande dedicação, o minúsculo<br />lugar que cresceu e se<br />fez cidade. Ao servirem o<br />Entroncamento serviram e<br />honraram Portugal.<br />Ao escrever sobre a história<br />que envolve o Entroncamento<br />não consegui deixar<br />de focalizar o ser humano e<br />o maravilhoso que é ver sair<br />das suas mãos e da sua inteligência<br />aquilo que tanto,<br />nacionais como estrangeiros,<br />podem observar: uma<br />das mais bem organizadas e<br />saudáveis cidades da Europa<br />que aconselho a ler, ver<br />e meditar.<br /><br />III<br /><br />O mundo despertou para<br />o progresso no século XIX<br />e, de repente, deu-se conta<br />que os homens são todos<br />iguais e que a todos é pedido<br />o mesmo esforço para<br />desenvolver e engrandecer<br />a terra onde nasceram ou<br />onde vivem.<br />Desde o aparecimento da<br />primeira locomotiva, posta<br />em movimento pelo inglês<br />Richard Trevithick em<br />1808, que morreu pobre e<br />arruinado, até ao seu compatriota<br />George Stephenson,<br />que soube aproveitar<br />os ensinamentos e evitar os<br />contratempos, o comboio<br />assumiu-se como um bem e<br />uma riqueza inquestionável.<br />Todos compreenderam que<br />era muito mais fácil, rápido<br />e rentável viajar num veículo<br />seguro, cómodo, barato e<br />que podia transportar muita<br />gente e muitas mercadorias.<br />George Stephenson ao<br />conduzir uma locomotiva<br />e as respectivas carruagens<br />entre as cidades inglesas de<br />Stockton e Darlington, em<br />1825, além de ter inscrito o<br />seu nome na história e de ter<br />ficado muito rico, mostrou<br />ao mundo qual a marcha do<br />progresso. Imediatamente<br />os Estados Unidos, a Rússia,<br />a França, a Alemanha, a<br />Suécia, a Bélgica e a Holanda<br />deitaram mãos aos carris<br />e em pouco tempo estes países<br />progrediam de maneira<br />surpreendente.<br />E nós? Que fazíamos nós<br />entre 1808, 1825 e por aí<br />fora até 1856, data em que<br />entrámos em linha. Em 1808<br />estávamos a ser invadidos e<br />roubados pelos franceses e<br />pelo seu comandante Junot,<br />a mando de Napoleão Bonaparte.<br />A rainha D. Maria<br />I, que estava louca, e o príncipe<br />Regente, o futuro D.<br />João VI tinham abandonado<br />Portugal e fixado residência<br />no Brasil. O Brasil passa de<br />vice-reino a reino, com a<br />capital no Rio de Janeiro e<br />com a designação de Reino<br />Unido de Portugal e Brasil.<br />Os franceses vieram cá<br />três vezes. A primeira com<br />Junot, a segunda com o saqueador<br />Soult e a terceira<br />com o príncipe dos ladrões,<br />Massena. Levaram tudo o<br />que apanharam à mão. O<br />País ficou de rastos. Pensa-<br />se até na constituição<br />de uma República Ibérica<br />com a Espanha. Depois de<br />muitas hesitações o rei voltou<br />contrariado, mas voltou.<br />Como em casa onde<br />não há pão todos ralham e<br />ninguém tem razão, as revoluções<br />foram o pão-nosso<br />de cada ano. Em 1825,<br />quando o comboio ganha<br />força em Inglaterra, o rei<br />está agonizante. Morreu em<br />1826. Sucede-lhe o filho D.<br />Pedro, que por nada, deste<br />mundo, quer largar o Brasil<br />e por isso entrega o reino<br />ao irmão D. Miguel com o<br />compromisso deste casar<br />com a sobrinha, que era ainda<br />uma criança. D. Miguel<br />aceita a proposta, mas não<br />cumpre o acordo e declarase<br />rei sem obrigações matrimoniais.<br />Resultado: uns<br />apoiam D. Pedro e a filha,<br />outros apoiam D. Miguel.<br />Até 1834 ninguém teve<br />descanso. As lutas fratricidas<br />foram muitas e indignas<br />de portugueses. Até que D.<br />Pedro veio do Brasil, venceu<br />o irmão, tomou o nome<br />de D. Pedro IV e preparouse<br />para governar Portugal.<br />Mas com tantos problemas,<br />guerras e ódios, ele que estava<br />habituado ao ripanço<br />do Brasil, ao fim de quatro<br />meses de reinado morre de<br />cansaço. Sucede-lhe a filha<br />D. Maria II. Com D. Maria<br />o País também não está<br />bem. Há ainda várias revoluções<br />e o dinheiro faltava<br />para tudo. Por este motivo<br />são vendidos, ao desbarato,<br />imensos bens nacionais.<br />Dou um exemplo: a Quinta<br />da Cardiga foi vendida à família<br />Sommer por 200 contos,<br />o que equivale, hoje, a<br />€ 1000. O Governador de<br />Timor, Lopes da Silva, chega<br />ao cúmulo de entregar<br />metade de Timor aos holandeses<br />para fazer face às<br />dificuldades. É preso por ter<br />exagerado nas suas funções.<br />A rainha morre de parto do<br />seu décimo primeiro filho<br />em 1853. E é com D. Pedro<br />V, com seu pai D. Fernan<br />do e com Fontes Pereira de<br />Melo que, apesar de todas<br />as dificuldades por que Portugal<br />passava, a via-férrea<br />iria arrancar. Era o futuro<br />dos portugueses que estava<br />em causa.<br />O rei inaugura o Caminho-<br />de-Ferro de Lisboa ao<br />Carregado em 1856. Levávamos<br />trinta e um anos de<br />atraso em relação aos países<br />atrás citados. Atraso que nos<br />tem custado a recuperar.<br /><br />IV<br /><br />O nascimento do Entroncamento<br />nunca passou pela<br />cabeça dos Governantes.<br />Durante os três primeiros<br />anos depois da primeira<br />amostra de comboio entre<br />Lisboa e Carregado ninguém<br />sabia muito bem para<br />onde se voltar. Em Portugal<br />é assim. De cada cabeça sai<br />sua sentença e ali andamos<br />a morrinhar tempos infinitos<br />até que nos dá aquela<br />fúria de loucos e aquilo que<br />não se fez em anos faz-se<br />em dias.<br />O Entroncamento nasceu<br />do casamento entre a Ponte<br />da Pedra e as Vaginhas, mas<br />vai crescer muito perto do<br />Casal das Gouveias. Os homens<br />largaram as enxadas e<br />a rabiça do arado para uns<br />metros mais à frente desbravarem,<br />desmontarem e<br />limparem o local onde seriam<br />lançados os primeiros<br />alicerces de uma povoação<br />que deita carris para nortesul<br />e Leste.<br />A Norte entra Porto dentro<br />e embrenha-se por terras<br />da Galiza. A Leste, por<br />Badajoz, procura a Europa<br />evoluída e civilizada e serve<br />de entroncamento a todas as<br />culturas. Para Sul atravessa<br />Lisboa e vai banhar-se nas<br />águas quentes do Algarve.<br />Estas linhas mágicas<br />facilitaram o intercâmbio<br />rápido entre populações,<br />antes ligadas por caminhos<br />poeirentos e lamacentos, ou<br />por estradas ainda do tempo<br />dos romanos.<br />O lugar das Vaginhas é<br />premonitório.<br />Vagin exprime a ideia de<br />vagina.<br />É a terra mãe. Aquela que<br />produz tudo. É a terra úbere.<br />Mas se partíssemos do<br />topónimo Baginhas, chegaríamos<br />à mesma conclusão.<br />A baga da erva-moura, a<br />semente, a fonte do nascimento.<br />Das Vaginhas saíram homens<br />e mulheres que iniciaram<br />a história desta fabulosa<br />cidade onde o trabalho<br />é o seu brasão de honra e<br />as linhas dos comboios as<br />veias por onde circulam as<br />gentes, muitas das quais por<br />aqui se hão-de fixar.<br />O esforço do crescimento<br />aumentou a inteligência<br />de quem foi delineando a<br />futura cidade.<br />O lugar das Vaginhas e a<br />Ponte da Pedra mais não foram<br />do que pontos de referência<br />para quem desejava<br />lançar estruturas de desenvolvimento.<br />O apeadeiro do entroncamento<br />da Ponte da Pedra<br />pouco tempo sobreviveu<br />à explosão do movimento<br />que este Entroncamento havia<br />de alcançar. O Entroncamento<br />tinha sido gerado.<br />Preparava-se para dar sinal<br />de vida. Os homens continuavam<br />a fecundar a terra<br />com trabalho, suor e muita<br />determinação.<br />O lugar das Vaginhas tinha<br />menos de 100 habitantes,<br />umas 22 casas de adobe<br />a cair aos bocados e uma<br />minúscula capela. Entre as<br />Vaginhas e o entroncamento<br />de linhas não eram mais de<br />quatrocentos metros cobertos<br />de oliveiras, laranjeiras,<br />nespereiras e uma ribeira a<br />separar, ligando os dois espaços<br />que sempre estiveram<br />irmanados e na posse dos<br />mesmos proprietários.<br />Se quiséssemos delimitar<br />este útero fecundado podíamos<br />dizer que o Entroncamento<br />é acarinhado e envolvido<br />pelo lugar das Vaginhas,<br />o casal das Gouveias,<br />o casal das Galhardas, o<br />casal Saldanha, os Foros da<br />Lameira, correndo-lhe pelo<br />corpo a ribeira de Santa Catarina<br />que o cruza na Rua<br />5 de Outubro, passa pela<br />travessa de Santa Catarina,<br />quase toca a escola Dr. Ruy<br />d’Andrade e se lança, suavemente,<br />na ribeira que se<br />espraia pela Quinta da Cardiga<br />até entrar no sequioso<br />Tejo.<br />Hoje todos se orgulham<br />da cidade que cresceu do<br />pó, do ferro, das tendas, e<br />das casas abarracadas e que<br />foi estendendo os braços e<br />abraçando o que sempre estivera<br />unido.<br />O Entroncamento emprega<br />gente de todo o País.<br />Mais de 90% dos habitantes<br />que fizeram o Entroncamento<br />vieram da Beira Baixa e<br />do Alentejo.<br />Nada se faz sem esforço.<br />E esforço foi algo que os<br />construtores desta cidade<br />nunca regatearam. O prazer<br />do trabalho é dominante.<br />Torna-os mais rijos. Alguns<br />parecem ter raízes nas suas<br />fundações.<br />Os primeiros caboucos<br />deste entroncamento de linhas<br />foram lançados em<br />1859 para que a ligação<br />Santarém-Abrantes pudesse<br />ser inaugurada em 1862.<br />O terreno é<br />p r e p a r a d o<br />à picareta,<br />estabilizado<br />nos pontos<br />mais frágeis.<br />Por cima das<br />t r a v e s s a s<br />são assentes,<br />a pulso,<br />centenas de<br />metros de carris em ferro.<br />Noite e dia os homens<br />não descansam.<br />A Revolução Industrial<br />estava em marcha, mas faltavam-<br />lhe ainda muitos utensílios<br />de suporte. Naquele<br />tempo não existiam máquinas<br />de levantar e colocar,<br />não existiam os guindastes<br />como os de hoje. Tudo tinha<br />que ser feito à mão. Por esse<br />motivo nascem as escolas<br />onde se aprendiam a fazer<br />os próprios utensílios.<br />Os homens do esforço<br />e do lançamento dos carris<br />não reivindicavam casas.<br />Para eles tudo estava bem.<br />Tendas de lona e duas dúzias<br />de barracas de madeira<br />foram os melhores abrigos<br />para a gente do trabalho e<br />das ferramentas.<br />Mas em redor deste entroncamento<br />de linhas há<br />pequenas terras, a alguns<br />minutos de caminho, como<br />a Barquinha, a Golegã e até<br />a Meia Via que albergaram<br />os mestres estrangeiros e alguns<br />portugueses. Para dar<br />um exemplo, temos notícia,<br />que o espanhol, mestre<br />Alfaro, tinha casa na Meia<br />Via.<br />Nas Vaginhas, as casas<br />não eram muitas, nem espaçosas,<br />nem confortáveis.<br />Entre os Casais das Vaginhas<br />e o Casal das Gouveias<br />o terreno era aproveitado ao<br />milímetro e os produtos da<br />terra, que antes eram vendidos<br />nas redondezas, passavam<br />agora directamente do<br />produtor ao consumidor ou<br />comercializados na taberna<br />onde o vinho, a mercearia,<br />os panos e os abanos andavam<br />de mãos dadas, a dois<br />passos dos operários, que<br />eram às centenas.<br />Nem o trabalho, nem o<br />frio, nem o calor os faziam<br />abrandar.<br />Os pioneiros vindos da<br />Beira Baixa transportavam<br />a força dos montes Hermínios.<br />Habituados a rasgar<br />barrocas e granito puro, os<br />trabalhos de corte de árvores,<br />a colocação do balastro<br />e assentamento de carris<br />eram bem mais leves. A seguir,<br />outros do Alentejo e<br />algumas dezenas de estrangeiros<br />apareceram.<br />A água não era em abundância<br />apesar do Tejo correr<br />a escassos quilómetros, mas<br />era ali naquele local que o<br />entroncamento de linhas era<br />fundamental.<br />Entre oliveiras e mato,<br />naquele ponto estratégico,<br />é que estava o segredo do<br />empreendimento e a raiz do<br />crescimento.<br />A primeira fixação, com<br />carácter ainda intermitente,<br />dá-se em 1861 para que as<br />linhas pensadas para Norte<br />e Leste não tivessem atrasos.<br />Desde os primeiros tempos,<br />apesar do precário alojamento,<br />os operários sentiam-se <br />felizes, cansados e<br />compensados. De onde vinham,<br />as condições de habitabilidade<br />não eram muito<br />melhores e aqui tinham a<br />vantagem deste micro clima<br />que propicia Invernos suaves,<br />e Verões muito agradáveis.<br />Trabalho não falta e o pagamento<br />é sempre uns réis a<br />mais que nos outros pontos<br />do País, além de ser um salário<br />fixo e mensal. No campo<br />trabalhava-se à jorna ou<br />à semana.<br />Em todo o País as dificuldades<br />são imensas. Entre<br />1861 e 1864 os salários dos<br />funcionários públicos são<br />reduzidos em 25 por cento.<br />Os trabalhadores ferroviários<br />sentiam-se privilegiados.<br />Saía-lhes do corpo,<br />mas o pagamento era certo<br />e não diminuíra.<br />Aumenta o contingente<br />de Espanhóis, Franceses,<br />Ingleses e Italianos. Ninguém<br />se queixa das condições<br />de trabalho apesar de<br />serem intensas e muito violentas,<br />comparadas com as<br />dos dias de hoje.<br />Passado pouco tempo,<br />defronte das linhas começaram<br />a surgir as primeiras<br />casas e as complementares<br />tabernas, para atender a<br />clientela que não era exigente<br />nem má de boca. A<br />primeira casa foi o rés-dochão<br />do Prédio Paris, o segundo<br />corpo do Prédio é<br />posterior.<br />Estamos na Praça da República,<br />seguem-se à esquerda<br />do Prédio Paris, um<br />café, uma mercearia, uma<br />taberna mercearia, uma<br />padaria, a travessa Zé dos<br />Fósforos, a casa Carvalho,<br />depois já na rua Latino Coelho,<br />a Pensão Faustino, hoje<br />Carlos Lopes, e outras casas<br />que ainda hoje pontuam a<br />emblemática rua. Se olharmos<br />bem a Praça da República<br />e a zona envolvente<br />podemos melhor comparar<br />o antigo com o moderno e<br />ver como se desenvolve a<br />cidade.<br />Desde o início dos trabalhos,<br />as tabernas acompanharam<br />o sistema do assentamento<br />dos carris. Estavam<br />sempre situadas em lugares<br />de passagem dos trabalhadores.<br />À taberna do Luís<br />dos Reis, do Zé das Osgas<br />foram-se juntando a taberna<br />do Alfredo, do Carvalho, do<br />Xico Condesso, da Remísia,<br />a taberna da Ana Brites<br />da Guia, do Vila Franca, a<br />do Loureiro, a do Gabriel, a<br />tasca do Careca, a do Tramagal,<br />a tasca da Micas,<br />o Ramiro, a Natércia, a<br />dos Sapateiros, a Maria da<br />Mina, a Tarouca, o Medina,<br />o Bernardo, o Cu da Mula,<br />a taberna do Romeira, a<br />taberna do Zé da Parreira,<br />a taberna do Venâncio que<br />além de cumprirem um dos<br />seus mandamentos sagrados:<br />“dar de beber a quem<br />tem sede” ainda lhes juntavam<br />umas saborosas sandes<br />de queijo, umas lascas de<br />presunto, ou atum, quando<br />não era peixe frito do rio.<br />Só pelos anos trinta do século<br />passado é que a carroça<br />do João Valente, por alcunha<br />o Faiante, ia buscar o peixe<br />à Nazaré, presenteava estes<br />mouros de trabalho, com a<br />sardinha e o carapau. Ele e<br />o Granadas. Dois vendedores<br />de peixe que às vezes se<br />desentendiam. Quando isto<br />acontecia quem beneficiava<br />eram os compradores.<br />Todas as tabernas passaram<br />a vender mercearia<br />e outras miudezas. Estes<br />estabelecimentos quase gozavam<br />de protecção governamental.<br />Anos mais tarde, Salazar<br />para equilibrar as finanças<br />e ajudar os lavradores lançou<br />mesmo o slogan: “beber<br />vinho é dar de comer a<br />um milhão de portugueses”.<br />Isso fez de nós os maiores<br />bebedores do mundo. Mas<br />não os maiores bêbedos.<br />Eu próprio assisti, enquanto<br />andei pela Europa, a grandes<br />carraspanas em França,<br />Inglaterra, Alemanha e Noruega.<br /><br />V<br /><br />Os primeiros gestores<br />da Companhia, ao ficaram<br />cientes de que os Governantes<br />não mais mudavam<br />de ideias quanto ao traçado<br />das linhas férreas e que<br />aquele entroncamento de<br />linhas, apoiado por D. José<br />de Salamanca y Mayol, o<br />impulsionador da Companhia<br />dos Caminhos de Ferro<br />Portugueses era definitivo,<br />imediatamente lançaram as<br />estruturas de apoio ao pessoal<br />adstrito aos comboios.<br />Meto aqui um aparte para<br />dizer que o homem que escolheu<br />este entroncamento<br />de linhas nasceu em Málaga<br />em 1811 e faleceu em<br />1883. Segundo a revista “O<br />Ocidente”, nº 150 de 1883.<br />Dom José era uma força e<br />uma inteligência. Formouse<br />em direito aos 22 anos.<br />Tudo quanto se metia transformava<br />em sucesso.<br />A revista “O Ocidente”<br />acrescentava ainda as seguintes<br />notas:<br />“Ao mesmo tempo que<br />a sua casa oferecia refúgio<br />aos grandes conspiradores<br />políticos, as suas repartições<br />davam trabalho e sustento<br />aqueles que as alterações<br />políticas lançavam na<br />miséria. Não tinha ressentimentos,<br />era leal para todos,<br />e pronto a congraçar-se com<br />os adversários”.<br />Foi este homem que chegou<br />a Portugal para dirigir<br />a Companhia, depois dos<br />primeiros tempos, completamente<br />disparatados, para<br />que a formação de uma<br />Companhia de Caminhosde-<br />Ferro se organizasse.<br />Eu digo disparatados devido<br />à nossa proverbial ingenuidade.<br />Os portugueses<br />têm de se capacitar que nos<br />negócios devem ser muito<br />cuidadosos e agressivos<br />na discussão das condições<br />para realizar qualquer contrato,<br />seja ele grande ou pequeno.<br />Têm de pôr aí muita<br />prudência, inteligência e<br />capacidade negocial para<br />ele ser rentável.<br />Não posso também deixar<br />de chamar a atenção<br />para outro facto. Normalmente<br />os portugueses são<br />maus gestores. Mas são<br />óptimos executores quando<br />têm um gestor a dirigir. José<br />de Salamanca era um óptimo<br />administrador e os engenheiros<br />portugueses que<br />escolheu, João Crisóstomo,<br />João Evangelista, João Vitorino,<br />Joaquim Nunes, Luz<br />de Abreu foram excelentes<br />executores, assim como todos<br />os operários por eles supervisionados.<br />Afirmo isto porquê? Porque<br />ao contrário do que ainda<br />acontece nos nossos dias,<br />em que as obras ultrapassam<br />os prazos estabelecidos e os<br />custos aumentam escandalosamente,<br />com José de Salamanca,<br />as linhas contratadas,<br />que tinham um prazo<br />de oito anos, foram terminadas<br />em quatro, mesmo<br />com todas as dificuldades<br />que apanhou pela frente e<br />pela falta de máquinas, que<br />não existiam na altura e que<br />são corriqueiras nos nossos<br />dias.<br />É caso para meditarmos<br />no assunto. O gestor português<br />tem de aprender a ser<br />tão bom a mandar como é a<br />executar, a menos que não<br />nos importemos de ser geridos<br />por espanhóis, alemães,<br />suíços, holandeses ou ingleses.<br />A mim não me agrada.<br />Mas se não incitarmos os<br />nossos filhos e os nossos<br />netos a estudar é o que acaEntroncamento,<br />o comboio, a terra e os homens 25<br />bará por acontecer.<br />A realização desta obra<br />oferecia muitas dúvidas porque<br />ninguém queria perder<br />privilégios. Com a ganância<br />perderam-nos. A mesquinhez<br />cega as pessoas.<br />O egoísmo foi mais forte<br />que a inteligência.<br />Quase até ao último momento<br />se hesitou na localização<br />do entroncamento<br />de linhas. Havia de ficar na<br />Barquinha, em Torres Novas,<br />na Atalaia ou em Tomar?<br />O interesse obstruiu o<br />discernimento dos beneficiários.<br />Os homens da Barquinha<br />opuseram-se terminantemente<br />a que o entroncamento<br />de linhas se fizesse<br />naquele local, uma vez que<br />lhes ia prejudicar o comércio<br />fluvial.<br />Torres Novas não se interessou<br />pelo facto e Tomar<br />idem, apesar dos avisos dos<br />técnicos que viam grandes<br />vantagens em localizar o<br />entroncamento de linhas na<br />Barquinha, Torres Novas,<br />Tomar ou Atalaia onde também<br />poderiam dispor, com<br />mais facilidade, de trabalhadores<br />e alojamento.<br />Perante tantas hesitações,<br />perdas de tempo e dinheiro,<br />D. José de Salamanca, farto<br />de ouvir os maiores despautérios<br />apontou o local que<br />nunca estaria nos planos dos<br />gestores. Para o Rei teria<br />fundamentado a sua decisão<br />afirmando que o espaço era<br />deserto e lamacento, o que<br />era precisamente a antítese<br />do frondoso espaço cheio<br />de oliveiras e de mata, mas<br />que poucos aproveitavam.<br />Os das Vaginhas, da Ponte<br />da Pedra e da Quinta da<br />Cardiga tinham bem com<br />que se entreter. Era deserto<br />de gente e alagadiço só nas<br />enxurradas que viessem dos<br />lados das Quatro Estradas<br />por bazófia da Ribeira de<br />Santa Catarina.<br />A balizar esta minha<br />afirmação estão as várias<br />descrições do lugar onde o<br />Madrugo e os seus, poucos,<br />mas destemidos companheiros<br />mataram, em Janeiro<br />de 1811, vinte soldados<br />franceses. Foi precisamente<br />neste local onde foram lançadas<br />as linhas do caminhode-<br />ferro.<br />De entroncamento (junção<br />de duas ou mais linhas<br />férreas), em lugar mandado<br />limpar e sem ocupação<br />humana fixa passou a Entroncamento<br />(lugar de habitação<br />e pólo de desenvolvimento).<br />Depois das tendas e barracas<br />iniciais a qualquer<br />obra, foi comprado o espaço<br />envolvente para que não<br />houvesse dispersão de funcionários.<br />Em 1863 o francês Baptiste<br />Landarache lançou<br />as bases do célebre Prédio<br />Paris mandando para tal<br />construir uma casa de résdo-<br />chão.<br />Podemos tomar o rés-dochão<br />do Prédio Paris como<br />o símbolo do nascimento do<br />aglomerado.<br />Ao contrário do que<br />aconteceu, por quase todo o<br />País, o Entroncamento não<br />se desenvolveu ao redor de<br />uma Igreja. A catedral irradiante<br />foi o Prédio Paris que<br />norteou a população que<br />aqui começava a assentar<br />arraiais. É assim que começa<br />a despontar a rua Latino<br />Coelho e todo o outro aglomerado<br />que haveria de surgir,<br />como já referimos.<br />O Entroncamento nasce<br />do entroncamento de raças<br />e culturas. Há uma espécie<br />de miscigenação entre franceses,<br />italianos, espanhóis,<br />ingleses e portugueses. Esta<br />terra ganha com a nova semente<br />que é lançada neste<br />útero sequioso de vida.<br />No corpo e na alma de<br />quem aqui se fixa, uma comunidade<br />multirracial cresce<br />dia a dia.<br />Quando em 1864 se inaugura<br />a primeira fase da linha<br />do Norte, o trabalho é tanto<br />que ninguém pensa em comodidades<br />neste lugar onde<br />tinha sido erguido um simulacro<br />de Estação a que fora<br />dado o nome de Apeadeiro<br />da Ponte da Pedra como<br />ponto de referência para um<br />local onde só havia oliveiras<br />e mata. Aqui faltava tudo<br />desde a água à luz eléctrica<br />que, mesmo em Lisboa, era<br />só uma miragem.<br />Tudo vivia à luz do petróleo<br />ou da candeia de azeite.<br />Comércio e vendedores<br />eram incipientes. As tabernas<br />são as que proliferam e<br />suprem as primeiras necessidades,<br />mas cada um tinha<br />de trazer farnel de casa. Começam<br />a aparecer os célebres<br />baús dos ferroviários<br />para transporte dos mantimentos<br />essenciais. Não<br />faltavam couves, tomates,<br />melões e feijão verde que<br />nas Vaginhas eram fartos e<br />baratos.<br />Em 1864 dois acontecimentos<br />de grande relevância<br />se dão em Portugal. Um,<br />apoiado no pensamento; o<br />Diário de Notícias, e outro<br />assente no conhecimento<br />das novas tecnologias e do<br />progresso. A inauguração<br />da primeira fase da linha do<br />Norte. A partir deste momento<br />o Entroncamento é<br />uma realidade.<br /><br />VI<br /><br />Portugal, de repente, deu<br />um enorme salto qualitativo.<br />A Europa, culta e civilizada,<br />estava a aproximarse.<br />Mas a Europa pouco nos<br />podia oferecer. A Espanha<br />estava pior que Portugal. Os<br />caminhos eram péssimos e<br />os atritos entre as diversas<br />regiões espanholas constantes.<br />A França continuava à<br />procura de se encontrar.<br />Feita a escolha definitiva<br />do lugar para confluência e<br />dispersão de linhas, os Caminhos-<br />de-ferro tudo apostaram<br />para fazer deste entroncamento<br />de linhas um<br />local de especialização dos<br />seus trabalhadores.<br />Em 1862 havia, como<br />se disse, algumas tendas e<br />casas de madeira, além de<br />barracões para o material<br />utilizado.<br />Em 1864 já havia material<br />circulante de apoio e<br />oficinas. Havia mesmo uma<br />bem equipada oficina de reparação<br />de máquinas.<br />As estruturas de apoio<br />aos passageiros começaram<br />de imediato. Os trabalhaEntroncamento,<br />o comboio, a terra e os homens 29<br />dores estrangeiros, sempre<br />melhor pagos que os portugueses,<br />incentivaram também<br />a que o conforto andasse<br />a par do movimento.<br />Existiu logo, desde o início,<br />um bufete restaurante<br />para refeições rápidas e<br />pouco depois outro restaurante<br />e uns cómodos bem<br />arranjados e agradáveis.<br />Leva-me a concluir que isto<br />tenha sido assim por duas<br />razões: a primeira porque a<br />quantidade de gente, neste<br />cruzamento de linhas e com<br />paragens de espera, se tornara<br />muito intenso.<br />A segunda razão é que<br />Baptiste Landareche, ele e<br />os seus sobrinhos Virgile<br />Shevaux e Frédérique Paris,<br />em 1863, ao chegarem<br />a este entroncamento de linhas,<br />verificam que é uma<br />autêntica a mina. Tomam de<br />renda o Bufete da Estação<br />e pensam, imediatamente,<br />alargar a fonte de rendimento<br />ao fazer um restaurante<br />hotel para gente de dinheiro,<br />não só para os estrangeiros<br />que aqui vivem, mas<br />para nobres e burgueses endinheirados<br />que prefeririam<br />não se misturar na confusão<br />do bufete.<br />Se o senhor Landarache<br />chega em 1863, tem mais<br />que tempo para arranjar um<br />bom restaurante, à francesa,<br />com todos os adornos e ademanes<br />próprios dos franceses,<br />eles que eram especialistas<br />em cativar, em saber<br />ganhar dinheiro, e tinham<br />gosto em fazer sobressair as<br />subtilezas do trabalho.<br />O negócio devia ser tão<br />rentável que, logo no ano<br />seguinte, Baptiste Landareche<br />constrói o rés-do-chão<br />do célebre Prédio Paris,<br />onde montou um bom restaurante<br />e ainda lhe sobrou<br />espaço para alguns quartos.<br />Temos de ver que a Estação<br />primitiva se encontrava<br />onde hoje existem as bilheteiras,<br />ou seja, a escassos<br />metros do Prédio Paris.<br />A 22 de Maio de 1864 é<br />inaugurada a primeira fase<br />da linha do norte.<br />A população de intermitente<br />tornou-se permanente.<br />O entroncamento começa<br />a tornar-se Entroncamento.<br />Em 1864, além das poucas e<br />vetustas casas das Vaginhas<br />ergueram-se casas para recolha<br />e armazenamento de<br />material circulante e de peças<br />sobresselentes para acudir<br />rapidamente a qualquer<br />falha de material.<br />O Prédio Paris serviu,<br />de imediato, como hotel de<br />apoio ao bufete da estação,<br />além de ter como hóspedes<br />alguns dos mais altos<br />funcionários estrangeiros e<br />portugueses da companhia.<br />Acrescento mais uma achega,<br />o rei D. Luís, dormiu<br />mesmo no Entroncamento.<br />Onde? Só podia ser no Prédio<br />Paris. Julgo que tudo<br />ficará melhor esclarecido<br />quando forem classificados<br />os milhares de documentos<br />que a CP guarda desde essa<br />época.<br />A terceira razão porque<br />afirmo que já devia haver<br />restaurante e bons cómodos<br />é porque em 1866, o<br />escritor Dinamarquês Hans<br />Christian Andersen o afirma<br />ao referir-se a um hotel<br />verdadeiramente luxuoso<br />e moderno. Isto quer dizer<br />que restaurante havia,<br />alojamentos confortáveis<br />também, e que a expressão<br />encomiástica não pode ser<br />tomada como manifestação<br />simpática para um País que<br />ele desconhecia, mas sim<br />fruto de sincera admiração.<br />Normalmente, os escritores<br />são frontais naquilo que<br />afirmam. Não são muito dados<br />a salamaleques.<br />Quanto a ter falado na<br />vila do Entroncamento também<br />não é de estranhar para<br />um escritor habituado a folhear<br />tudo o que é história e<br />cultura.<br />Aqui podemos seguir<br />duas vias: primeira, as Vilas<br />romanas tinham a dimensão<br />da estação do Entroncamento<br />e metaforicamente<br />podia ter usado a expressão.<br />Segundo, Andersen, habituado<br />a visitar, frequentemente,<br />a França, onde qualquer<br />lugarejo, naquele tempo e<br />durante largas dezenas de<br />anos, era apelidado de Ville,<br />automaticamente, o escritor,<br />extrapolou para outros<br />povos e outras regiões.<br />No número 11 da revista<br />“O Foguete”, Carlos Barbosa<br />Ferreira, referindo-se ao<br />Entroncamento diz a certa<br />altura do seu texto “...esta<br />estação assume-se como<br />a de maior movimento da<br />rede nacional e possui infra-<br />estruturas de apoio aos<br />viajantes...”, como complemento<br />desta ideia apresenta<br />seguidamente um texto de<br />“A Nação” datado de 21<br />de Janeiro de 1873 onde o<br />restaurante é mencionado<br />como já o fora antes por<br />Andersen. Daqui podemos<br />inferir que este nó de ligação<br />ia ser fundamental para<br />a diversificação das linhas<br />e de que aqui os comboios<br />tinham forçosamente de se<br />cruzar, parar e esperar uns<br />pelos outros.<br />O movimento devia ser<br />de tal ordem que em 1875,<br />Alberto Pimentel escrevia<br />no “Guia do viajante nos<br />Caminhos-de-Ferro”, edição<br />de Ernesto Chardon,<br />Porto, um capítulo sobre o<br />Entroncamento, a estação e<br />o restaurante, onde Augusto<br />Soromenho, fez esperar o<br />comboio até que ele acabasse<br />de jantar.<br />Era o tempo em que os<br />homens da cultura, os políticos<br />e outros que tais,<br />egoisticamente, impunham<br />os seus direitos, a um povo<br />pouco mais que semianalfabeto,<br />bondoso e pouco<br />propício a arranjar conflitos<br />com os “grandes”.<br />Augusto Soromenho quis<br />comer descansado, impôs<br />os seus direitos, e não se<br />importou com os que esperavam<br />no comboio.<br />Faço estas considerações<br />só para compreendermos o<br />ser humano, os seus humores<br />e a passividade deste<br />povo maravilhoso que é tão<br />mal tratado e que tão pouco<br />se queixa.<br />Era fundamental providenciar,<br />logo desde início,<br />condições que permitissem<br />conforto aos passageiros.<br />O negócio devia ser descomunal,<br />em virtude do<br />intenso movimento de passageiros<br />que por aqui passavam,<br />nas subidas e descidas,<br />para Norte, Sul e Leste.<br />Oiçamos, agora, Alberto<br />Pimentel no capítulo XIX<br />do “Guia do Viajante”. Aí<br />temos, além de uma explicação,<br />uma informação e<br />um melindre que eu tomo<br />como um exagero.<br />A explicação é dada, e<br />bem, sobre as ligações que<br />aqui se cruzam. A informação,<br />e esta é muito importante,<br />é que o Entroncamento,<br />em 1875, ainda continuava<br />associado a outros lugares.<br />O primeiro que nos aparece<br />é o de apeadeiro da Ponte<br />da Pedra, mas Alberto Pimentel<br />diz-nos o seguinte:<br />“Na estação da Barquinha,<br />vulgarmente conhecida por<br />Entroncamento...” Estão a<br />ver onde quero chegar. O<br />Entroncamento era mais<br />entroncamento que Entroncamento.<br />A seguir às três<br />explicações, e a estes acrescentos,<br />vou colocar todo o<br />texto para cada um se deliciar<br />com os primórdios desta<br />terra, que nos deslumbra<br />pela naturalidade e pela<br />simplicidade. É uma terra<br />sem vaidades, mas com<br />muito valor pelos exemplos<br />que ela pode oferecer<br />a Portugal. Digamos que, se<br />o Entroncamento fosse um<br />ser humano, ele era o Bill<br />Gates português.<br />O melindre do Sr. Alberto<br />Pimentel deriva porque os<br />jantares eram servidos com<br />sopa muito quente e os passageiros<br />não tinham tempo<br />para comer tudo. Se a sopa<br />fosse fria refilava de igual<br />modo, porque a meia hora<br />de espera entre comboios<br />não dava para se comer comodamente.<br />Tenho ainda a<br />acrescentar que o pagamento<br />devia ser adiantado. Estão<br />dadas as explicações. O<br />leitor faça favor de digerir o<br />texto do Sr. Alberto Pimentel.<br />ENTRONCAMENTO<br />Décima sexta estação<br />– Aviso importante – Os<br />jantares do Entroncamento<br />– Protestos dos passageiros.<br />“ Primeiro que tudo: Há aqui baldeação de passageiros.<br />Se, indo para o norte, não queres aparecer em Badajoz,<br />deves perguntar a um empregado quais são as carruagens<br />que seguem para o norte e quais as que seguem para leste.<br />Dito isto podemos conversar.<br />Na estação da Barquinha, - vulgarmente conhecida pelo<br />nome de Entroncamento, porque é justamente n’este ponto<br />que o caminho de ferro de leste e o caminho de ferro do<br />norte entroncam na mesma linha, - tens tu, leitor amigo,<br />que te demorar trinta minutos, durante os quais hás-de fazer<br />alguma coisa. Se comerás? Há bufete na estação, certo<br />é, mas se partiste no comboio da noite (correio), chegas<br />ao Entroncamento às onze horas e quarenta minutos; se<br />partiste no da Manhã (misto), chegas às dez horas e trinta<br />Entroncamento, o comboio, a terra e os homens 35<br />minutos, horas impróprias de jantar. Todavia, como tu, se<br />vieres do Porto no comboio misto descendente, aqui deves<br />chegar às 4 horas e 20 minutos da tarde, hora de jantar,<br />deixa-me prevenir-te de que durante esses trinta minutos<br />de demora é servido no restaurante o mais confuso, o mais<br />tempestuoso, o mais pandemónico jantar de que há noticia.<br />Se quiseres atraiçoar desapiedadamente o estômago, -<br />este belo companheiro do homem, cuja fidelidade tão precisa<br />lhe é – senta-te à mesa, onde o prato de sopa fumega<br />pavorosamente, escalda com o primeiro sorvo a goela e o<br />esófago, incomoda-te, atordoa-te no pandemónio da sala,<br />onde os criados se enlabirintam intencionalmente para<br />servirem mal, e levanta-te desesperado, verdadeiramente<br />desesperado, - sem haveres comido e tendo pago 500 réis.<br />Não há memoria nos fastos pantagruélicos de tão leve e<br />tão tormentoso jantar, - por tanto dinheiro. Três ou quatro<br />pratos perpassam pela gente com uma rapidez vertiginosa,<br />de modo que mal lhe podemos tocar, e para sempre desaparecem<br />na onda da revolta. Depois... fica-se esperando<br />pelo jantar, e quando a gente cuida ver acalmar a tormenta,<br />dá-se o sinal de partida, e começam os passageiros a<br />correr tumultuosamente para o vagão protestando! Em<br />Portugal os protestos de pouco valem, maiormente se são<br />formulados - a correr.<br />Os jornais têm falado algumas vezes d’estas cenas tumultuárias<br />do restaurante do Entroncamento, e, ainda outro<br />dia, uma correspondência de Coimbra para o Diário de<br />Notícias referia que os passageiros, entre os quais figurava<br />36 Cunha Simões<br />o ilustre professor, sr. Augusto Soromenho, haviam protestado<br />que não se levantariam da mesa sem ter jantado.<br />Parece que d’essa vez o comboio se resolveu a esperar<br />pelo jantar.”<br />outros, de muito menores<br />dimensões, se lhe juntaram<br />como se pode verificar por<br />fotografias que coloquei no<br />livro, tenho também o testemunho<br />do Dr. Valle e Azevedo,<br />que com os seus rijos<br />83 anos, me contou que o<br />bisavô, logo que a circulação<br />dos comboios se começou<br />a fazer regularmente,<br />por volta de 1864, imediatamente<br />construiu uma<br />casa, em frente da estação<br />para assim mais facilmente<br />escoar a produção de vinho<br />da quinta “Valle e Azevedo”<br />da Lamarosa.<br />Só depois de ter sido<br />inaugurado o ramal de Tomar,<br />em 23 de Setembro de<br />1928, e a Lamarosa ficou<br />servida pelo comboio é que<br />Como se vê pelo excerto,<br />o negócio não só interessou<br />a portugueses como a estrangeiros<br />e devia ser rentabilíssimo.<br />O caso mais relevante<br />e que comprova o que<br />afirmo é o do Prédio Paris,<br />uma casa monumental para<br />a época e num local ainda<br />pouquíssimo desenvolvido<br />e habitado.<br />Para comprovar a minha<br />convicção de que a seguir ao<br />Prédio Paris imediatamente<br />Entroncamento, o comboio, a terra e os homens 37<br />a pequena casa, com uma<br />porta e duas janelas passou<br />para outros donos. Diga-se<br />como esclarecimento que o<br />comboio atravessa a quinta<br />em 5 quilómetros, extensão<br />que foi imediatamente disponibilizada<br />sem quaisquer<br />contrapartidas.<br />O desenvolvimento do<br />Entroncamento fez-se paulatinamente.<br />Por isso nos<br />deslumbra. A cidade é uma<br />das que tem maior qualidade<br />de vida em todo o País.<br />Em 1875 já havia a incipiente<br />pensão da Maria<br />Costureira e em 1879 a Barraca<br />da Rata como apoio aos<br />trabalhadores ferroviários<br />e boa fonte de rendimento<br />para os proprietários.<br />Por volta de 1879, os<br />trabalhadores já contavam<br />com um bem guarnecido<br />armazém de víveres e em<br />1882, passados vinte anos,<br />dos primeiros aterros, desaterros<br />e necessárias escavações,<br />os Caminhos-de-<br />Ferro, conscientes da necessidade<br />de fixarem aqui,<br />permanentemente os seus<br />trabalhadores, constroem a<br />primeira escola Camões e<br />mais vinte e quatro casas.<br />Paulo Sozzi, o construtor<br />da escola, aproveita os<br />operários para edificar, por<br />sua conta, as casas da Rua<br />Sozzi e até um pequeno teatro<br />onde hoje se encontra o<br />Pavilhão Gimno-desportivo<br />do União.<br />Mas as casas deviam ser<br />em maior número do que<br />possamos imaginar pois em<br />1882 aparece a primeira escola<br />Camões. Se há escola é<br />porque há miudagem e na<br />turalmente casais que não<br />habitam em tendas de lona e<br />que já estão fixos, há vários<br />anos, no pequeno lugar. Por<br />outro lado o teatro, mesmo<br />minúsculo, vem confirmar<br />que há gente fixa e com disponibilidades<br />económicas<br />para sustentar o negócio.<br />A Escola ficava no local<br />onde hoje se encontra um<br />bom dormitório da C.P. entre<br />a Rua D. Afonso Henriques,<br />as linhas dos Caminhos-deferro,<br />e no enfiamento da<br />rua Eng. Mário Costa que<br />entra na Zona Verde. Este<br />dormitório, actualmente,<br />não tem qualquer serventia<br />apesar de estar muito bem<br />conservado.<br />Martelemos a ideia. A escola<br />Camões ficou concluída<br />em 1882. Se a escola ficou<br />acabada em 82, insisto,<br />é porque os funcionários da<br />Companhia já estavam instalados<br />e com raízes. Já havia<br />gente que era necessário<br />apoiar. Quanto mais soubessem<br />os filhos dos ferroviários<br />mais beneficiariam.<br />Esta política foi acertadíssima.<br />A Companhia merece<br />os maiores encómios.<br />A Companhia não só implementou<br />a construção de<br />sólidas oficinas para monEntroncamento,<br />o comboio, a terra e os homens 39<br />tagem e reparação de material<br />circulante como criou<br />escolas de aperfeiçoamento<br />dos seus trabalhadores além<br />de lhes proporcionar casas<br />com boas condições de habitabilidade<br />e sempre com<br />o respectivo jardim e horta<br />não só para saciar a vontade<br />do homem Português, sempre<br />ávido de campo, mas<br />também para o prender ao<br />lugar.<br />O Entroncamento ainda<br />hoje continua a ser a terra<br />com mais diversidade de<br />gentes vindas de norte a sul<br />e que aqui convivem saudavelmente.<br />40 Cunha Simões<br /><br />VII<br /><br />A futura cidade lança<br />bases sólidas. Tudo é feito<br />com muita prudência. Os<br />caminhos-de-ferro têm gestores<br />competentes. O pessoal<br />de trabalho, a maior parte<br />dele analfabeto, sente alegria<br />de aprender com quem<br />sabe mais. Uns dão a força<br />da inteligência e do saber,<br />outros entregam a força dos<br />braços porque compreendem<br />que uns sem os outros<br />não podem sobreviver, nem<br />vão a lado nenhum.<br />Mas estes homens começam<br />a perceber que aqueles<br />que sabem ler e contar avançam<br />mais depressa. Sabem<br />mais. Os homens da gestão<br />e do empreendimento também<br />compreenderam que<br />abrindo-lhes mais os olhos<br />todos ganhariam.<br />Era fundamental que<br />aqueles que quisessem,<br />aprendessem a ler e a contar.<br />Se bem o pensaram<br />mais rápido o fizeram. Os<br />trabalhadores aderiram, em<br />massa, à escola. Em poucos<br />anos, os técnicos estrangeiros<br />começaram a ser substituídos<br />por estes homens habituados<br />a carregar toros de<br />madeira, lançar vias e abrir<br />caminhos.<br />Os próprios operários se<br />espantam das suas capacidades.<br />Nunca pensaram que<br />juntar letras fosse tão fácil<br />como trabalhar com a pá e<br />a picareta, nestes macios<br />campos do Ribatejo.<br />Afinal todos os homens<br />são iguais. A única diferença<br />está no conhecimento.<br />Os estudos são o segredo<br />entre guardar cabras e pouco<br />mais saber que elas ou<br />aprender nos livros o que<br />está simplificado.<br />Afinal a cabeça do pobre<br />é igual à do rico.<br />Afinal a cabeça do engenheiro<br />é igual à do fogueiro.<br />A única diferença é que uma<br />vai à escola e a outra não a<br />frequenta.<br />Os trabalhadores ferroviários<br />depressa entenderam<br />isso. Habituados ao serviço<br />duro e penoso, fácil lhes foi<br />fazer aquele trabalho de lápis,<br />caderno e livro. Muitos,<br />depois de um dia de labuta, à<br />luz das velas ou do candeeiro<br />a petróleo, mastigavam as<br />contas de somar, multiplicar,<br />dividir ou diminuir. Bebiam<br />as primeiras letras e em breve<br />tudo se tornava mais fácil.<br />Esta gente rude e possante<br />abriu como uma frágil flor.<br />Começou a unir a teoria à<br />prática. O trabalho tornou-se<br />mais acessível porque os factos<br />eram resolvidos na hora e<br />imediatamente sabiam como<br />poupar esforço para dar o<br />mesmo rendimento, que antes<br />era bem mais pesado.<br />A descoberta desta simples<br />coisa que é o aprender<br />através dos livros fez com<br />que a bela e bem organizada<br />cidade, que é hoje o Entroncamento,<br />seja a mais alfabetizada<br />de todo o país.<br />Os primeiros professores<br />foram excepcionais numa<br />terra excepcional. Muitos<br />ainda se lembram com saudade<br />da D. Maria Adelaide,<br />D. Palmira Lopes, D. Rosalina<br />Pereira, D. Amélia, D.<br />Isabel Teodósio, e dos professores<br />Corujo, Santana,<br />Torres, Baço e Barreiros.<br />As tabernas, que tinham<br />proliferado nos pontos de<br />passagem, e onde os trabalhadores<br />afogavam as saudades<br />da mulher e dos filhos<br />viram imediatamente que a<br />vender copos de três já não<br />se governavam.<br /><br />VIII<br /><br />Os finais do século XIX<br />são dramáticos. Logo no início<br />do reinado de D. Carlos,<br />a Inglaterra exige que abandonemos<br />os territórios entre<br />Angola e Moçambique, hoje<br />Zâmbia. Perante a força o<br />rei cedeu. A Grã-Bretanha<br />era uma grande potência,<br />com dezenas de milhões de<br />pessoas e nós, em milhões,<br />não passávamos dos dedos<br />de uma só mão.<br />O começo do reinado foi<br />azarado. Os republicanos<br />aproveitaram para testar a<br />sua força e o apoio do povo.<br />A 31 de Janeiro de 1891<br />tentam a sorte. A revolta é<br />sufocada.<br />O clima do país não é<br />famoso, mas a pequena<br />localidade que tinha sido<br />formada por uma linha de<br />caminho de ferro continuava<br />indiferente às lutas partidárias<br />e consciente de que<br />o trabalho tinha de se fazer.<br />A população trabalhadora<br />aumenta. Aqui não há desempregados,<br />nem vadios.<br />Todos têm consciência que<br />é do trabalho que nasce a<br />riqueza, a prosperidade e a<br />felicidade. Muitos sabiam<br />por experiência própria que<br />o pobre é um excluído.<br />Em 1900, os cuidados<br />de saúde no Entroncamento<br />são reforçados com a<br />farmácia Magalhães, que,<br />um pouco mais tarde, seria<br />vendida ao farmacêutico<br />António Lucas. A farmácia<br />Carvalho chegou uns anos<br />depois. Dos médicos destaca-<br />se o Dr. José Vítor das<br />Neves que foi assassinado<br />por um tresloucado à porta<br />de sua Casa. O Dr. Fanhais<br />e o Dr. Francisco Novais<br />também deixaram nome<br />pelo humanismo como tratavam<br />os doentes.<br />O Entroncamento caminhava<br />passo a passo, meditando<br />nas agruras da vida ou<br />nas suas alegrias, mas nunca<br />voltando a cara aos desafios<br />e, por isso, sempre na senda<br />do progresso. As indústrias<br />começam a despontar. José<br />Marques Agostinho, dedica-<br />se à compra e venda de<br />peles passando depois para<br />o fabrico do vinagre, do espumante<br />Magos, do posto<br />de abastecimento de gasolina<br />etc. Depois dos Agostinhos<br />seguiram-se a Compal,<br />a firma António Silva e<br />filho, hoje, com Vinagres e<br />Torrefacção, mas que no começo<br />teve o negócio do carvão,<br />vinhos e azeites e ainda<br />casca de sobro por causa<br />da indústria de curtumes em<br />Alcanena. A casca de sobro<br />servia para a limpeza de<br />peles. Uns anos mais tarde<br />a Valura, a Sonorte, a casa<br />Adelino Barbosa da Silva,<br />as madeiras Progresso, os<br />Policarpo, os Parrachos e<br />muitas outras.<br />Na política Nacional, em<br />1900 a dívida externa é tão<br />grande que o deputado José<br />Bento Ferreira de Almeida<br />propõe a venda das colónias<br />com excepção de Angola e<br />São Tomé.<br />Os republicanos aproveitam<br />este desregramento<br />para desacreditar o rei e<br />a monarquia. A excitação<br />atinge a paranóia.<br />D. Carlos passa diversas<br />vezes para o Norte. Vai de<br />comboio e pára sempre no<br />Entroncamento onde descansa,<br />um pouco, e come<br />alguma coisa, sempre muito,<br />porque ele comia bem e<br />com prazer. Gosta do local<br />e da comida, e tanto assim é<br />que vem ao Entroncamento<br />assistir a um Concurso Hípico,<br />no local conhecido,<br />ainda hoje por “Corridas”.<br />Como de costume deliciase<br />com os pratos servidos<br />no restaurante principal da<br />Estação, que ainda estaria<br />instalado no rés-do-chão<br />do Prédio Paris. No Hipódromo<br />são-lhe oferecidos<br />saborosos figos que ele e a<br />rainha D. Amélia saboreiam<br />com gosto e elogiam calorosamente.<br />A 28 de Janeiro de 1908<br />há uma tentativa revolucionária<br />contra a monarquia.<br />Quatro dias depois, no dia 1<br />de Fevereiro são assassinados<br />o rei D. Carlos e o Príncipe<br />Luís Filipe.<br />A República estava à<br />porta.<br />A 5 de Outubro de 1910,<br />D. Manuel parte para o exílio.<br />Começa a primeira República,<br />com muitas promessas<br />e muita demagogia.<br />O povo acredita. Mas<br />quando se dá conta que não<br />recebe o que lhe prometeram,<br />revolta-se. A primeira<br />República entre 1910-1926<br />é um fervilhar constante de<br />revoluções, fome, miséria e<br />milhares de mortes.<br />Em 1911 nasce, no Entroncamento,<br />o Grupo Recreativo<br />1º de Outubro de<br />1911 “O Parafuso”, que<br />mais cimenta a ligação entre<br />as gentes do pequeno lugar<br />e lhes dá a consciência da<br />solidariedade. Unidos, tornam-<br />se mais fortes. Hoje o<br />Parafuso tem uma enorme,<br />moderna e bem apetrechada<br />sede na Rua 5 de Outubro,<br />onde além de outras actividades<br />sobressai o Judo.<br />Em 1912 a Carris faz<br />uma greve de 26 dias. Afonso<br />Costa proíbe as greves<br />que antes o Governo tinha<br />autorizado. Os grevistas alcunham-<br />no de Racha sindicalistas.<br />São presos dezenas<br />deles. No meio de todo o<br />caos e de tantas convulsões,<br />o Entroncamento consegue<br />ultrapassar as dificuldades<br />e, linha a linha vai consolidando<br />as suas bases.<br />Em 1912, José Ferreira<br />Malaquias, Carlos José<br />Caetano e Joaquim Ferreira<br />Malaquias dão o primeiro<br />passo para a constituição de<br />uma Cooperativa.<br />Em 1913, José Ferreira<br />Malaquias, legaliza a que<br />46 Cunha Simões<br />hoje é a SCAFA – Cooperativa<br />de Consumo dos Ferroviários<br />e Aderentes, CRL. A<br />finalidade é muito atraente<br />e talvez a mais inovadora<br />da Europa. A Cooperativa<br />consciencializa os sócios<br />para a força que eles representam<br />se estiverem unidos.<br />José Ferreira Malaquias,<br />é a alma e a inteligência<br />do empreendimento com o<br />qual pretendia resolver um<br />problema económico e social.<br />A Cooperativa conseguiu<br />segurar os preços; não<br />deixou inflacionar, nem acabar<br />os produtos. Foi talvez<br />o único lugar do país onde<br />isto aconteceu. Esta carestia<br />foi motivada pelos efeitos<br />da Grande Guerra e pela desorganização<br />por que todo o<br />País passava.<br />José Ferreira Malaquias<br />merece um estudo mais<br />aprofundado.<br />Soube pela D. Lídia Malaquias,<br />que este seu parente,<br />primo de seu avô, era um<br />homem muito culto e de coração<br />generoso.<br />Seria interessante, estudar,<br />mais intimamente, todos<br />aqueles que contribuíram<br />para o sucesso de uma<br />cidade que ainda hoje é um<br />exemplo, mas que nunca<br />puxou pelos seus galões ou<br />se pôs em bicos dos pés.<br />Em 1914 começa a primeira<br />Grande Guerra. A Europa<br />parecia ter enlouquecido.<br />Portugal acompanha o<br />ritmo da loucura e a 14 de<br />Maio de 1915, alguns barcos<br />de guerra bombardeiam<br />Lisboa. Os combates são<br />violentíssimos e os mortos<br />às centenas.<br />O ano de 1915 foi um<br />ano desgraçado para o País,<br />como todos os da Primeira<br />Republica.<br />Falo, especialmente, nesEntroncamento,<br />o comboio, a terra e os homens 47<br />te ano, porque aqui se dá<br />uma tragédia provocada por<br />gente de passagem.<br />Em 1915 a fome grassava,<br />ainda com maior acutilância.<br />Por todo o País, a subida<br />do preço do pão saldase<br />em graves motins. Todos<br />se acusam uns aos outros.<br />No meio da desordem, o<br />Entroncamento era um oásis<br />de paz, de trabalho e de<br />entreajuda.<br />Em 14 de Maio dá-se<br />uma revolução tão violenta<br />contra o General Pimenta<br />de Castro, que os mortos e<br />feridos são às centenas. Os<br />ódios estremam-se. E não é,<br />que neste pacato, ordeiro e<br />trabalhador pequeno lugar,<br />se dá uma tragédia impensável?<br />Os factos contam-se em<br />poucas linhas. João Chagas<br />ia assumir a presidência do<br />Governo, mas o senador<br />João de Freitas, do Partido<br />Evolucionista, entra no<br />comboio, em Paialvo, vai<br />até à carruagem de João<br />Chagas e, sem dizer palavra,<br />dispara quatro tiros de<br />revólver. Deixa-o cego e<br />gravemente ferido. Os passageiros<br />desarmaram João<br />de Freitas. Ao ser entregue<br />às autoridades aqui, no Entroncamento,<br />é morto pelo<br />povo.<br />Passada a tragédia, tudo<br />volta à normalidade, vivese<br />o trabalho e aumenta-se<br />o esforço.<br />Enquanto uns destroem,<br />os outros, os mais sensatos<br />constroem. Os homens que<br />fizeram o Entroncamento<br />foram caldeados no bomsenso,<br />na sensatez, no orgulho<br />do que produziam,<br />construíam e estendiam,<br />neste caso, os carris.<br />Os assaltos são constantes<br />em todo o País. O Entroncamento<br />é gente de trabalho.<br />Pouco tem para ser roubado<br />e não consta que alguém se<br />atrevesse a fazê-lo.<br />A primeira Grande Guerra<br />serviu para tornar ainda<br />mais poupados, os que, pouco<br />tinham para poupar. As<br />dificuldades eram imensas,<br />mas a empresa conseguia<br />pagar os salários, o que não<br />acontecia nem com muitas<br />outras nem com o próprio<br />Estado.<br />A aprendizagem fez-se<br />com muitos sacrifícios, mas<br />sem nunca virar a cara ao<br />trabalho.<br />O movimento da estação<br />aumentou imenso. O corrupio<br />dos militares, de um<br />lado para o outro, era constante.<br />São aos milhares. Os<br />funcionários dos Caminhosde-<br />Ferro desdobravam-se.<br />Chegavam a trabalhar 16<br />horas.<br />Parecia que esta terra<br />lhes dava uma força sobrehumana<br />que ninguém conseguia<br />abater.<br />A fome grassa por todo o<br />lado, mas o Entroncamento<br />além de ter um Armazém de<br />Víveres e uma Cooperativa<br />tem o suporte das Vaginhas,<br />a terra mãe. Alimenta-os a<br />couves, batatas, cenouras,<br />cebolas, favas, ervilhas, tomates,<br />nabos, pimentos, feijão<br />verde e tudo o mais que<br />produz. A gente dos campos<br />é pouca e, por isso, não têm<br />mãos a medir.<br />Muitos trazem das Beiras<br />os enchidos que duram<br />por muito tempo.<br />Entroncamento, o comboio, a terra e os homens 49<br /><br />IX<br /><br />Entre 1918 e 1928, o Governo<br />achou por bem centralizar<br />alguns serviços militares.<br />O Entroncamento, mais<br />uma vez, tal como tinha<br />nascido, sem alarde, passou<br />a ser o coração de Portugal.<br />Por aqui passava tudo o que<br />era essencial para o País e<br />aqui também foi sedeada<br />uma retaguarda de protecção<br />nos tempos conturbados<br />que enlouqueceram a<br />Espanha com a Guerra Civil<br />e a Europa com as duas<br />Guerras Mundiais.<br />Aqui ficaram instalados<br />o Batalhão de Sapadores do<br />Caminho-de-ferro, a Sucursal<br />da Manutenção Militar,<br />as oficinas do Parque automóvel<br />Militar, o Esquadrão<br />de Cavalaria Motorizada, o<br />Depósito Geral de Material<br />de Guerra, o 7º Grupo de<br />Companhias de Administração<br />Militar, uma Secção<br />do Depósito Geral de Medicamentos<br />Sanitários e de<br />Hospitalização, a Estação<br />Rádio-Telegráfica, um Posto<br />fiscal.<br />Algumas destas designações<br />foram mudando de<br />nome embora o fim fosse<br />sempre semelhante. Este é<br />um mal que ainda não largámos.<br />Logo que fazemos<br />uma revolução ou trocamos<br />de ministros ou de directores-<br />gerais mudamos o nome<br />às coisas, mas não melhoramos<br />os serviços. É uma maneira<br />saloia de lançar poeira<br />nos olhos das pessoas. É<br />gastar dinheiro inutilmente<br />e que poderia ser aproveitado<br />em beneficio da melhoria<br />das condições de vida.<br />50 Cunha Simões<br />Com a vinda destes efectivos<br />militares, a população<br />do Entroncamento ficou<br />praticamente constituída por<br />ferroviários e por militares.<br />Isso foi muito bom. Porquê?<br />Porque tanto nos Caminhos-<br />de-Ferro como nas<br />Forças Armadas há ordem<br />e organização. Tanto num<br />caso como noutro, quem faz<br />carreira nestas Instituições,<br />normalmente tem o sentido<br />do dever e sabe como orientar<br />os seus passos.<br />O Entroncamento progrediu<br />e vive harmoniosa e<br />prosperamente porque praticamente<br />não existe analfabetismo.<br />Desde o início,<br />como já afirmei, a Companhia<br />criou escolas para os<br />filhos dos ferroviários, para<br />os próprios ferroviários e<br />para outros que aí quisessem<br />aprender. Muitas destas<br />pessoas foi aqui que ganharam<br />a vida e singraram com<br />orgulho por terem sabido<br />despir a roupa da miséria<br />que o mundo lhes queria<br />impor e vestirem o fato da<br />dignidade, da riqueza e da<br />felicidade.<br />Em Novembro de 1921<br />é inaugurado o Cine Teatro<br />Parque. Era uma ampla<br />e boa sala de espectáculos<br />situada onde está hoje o espelho<br />de água e a bordejar<br />o mercado municipal. José<br />Neves Costa, o proprietário,<br />Entroncamento, o comboio, a terra e os homens 51<br />conhecido por Zé da Loja,<br />também tinha estabelecimentos<br />de mercearia, fazendas<br />e alfaiataria. Foi talvez<br />das primeiras pessoas, em<br />Portugal, a saber utilizar o<br />marketing. Publicitava tudo<br />em que se metia, com grande<br />clareza, de modo a cativar<br />o comprador.<br />Em 1926 é inaugurado o<br />Bairro Camões, com a escola<br />que lhe confere o nome,<br />as confortáveis casas, com<br />jardim e um pequeno quintal,<br />sem descurar o enquadramento<br />com um artístico<br />lampião, um chafariz e a<br />própria entrada com sinais<br />ferroviários. Estes símbolos<br />artísticos foram destruídos,<br />a seguir ao 25 de Abril, por<br />manifesta ignorância de<br />quem o fez. Nem é maldade,<br />é ignorância. É por isso<br />que incitamos os jovens ao<br />estudo, porque o ignorante é<br />um triste que não se apercebe<br />do mal que causa a toda<br />a sociedade e à memória colectiva<br />de um País.<br />Se mais nada tivesse o<br />Entroncamento, bastava<br />a concepção deste Bairro<br />para ele merecer a visita de<br />52 Cunha Simões<br />milhares de portugueses e<br />estrangeiros. Os arquitectos<br />escolhidos foram Luís da<br />Cunha e Cottinelli Telmo.<br />Este último, com 22 anos<br />apenas, já tinha dado provas<br />da sua fabulosa capacidade<br />de trabalho e de inventiva<br />ao desenhar o Pavilhão<br />de Honra da Exposição do<br />Rio. Depois do Bairro Camões,<br />em 1926, Cottinelli<br />Telmo concebeu o Pavilhão<br />de Portugal na Exposição<br />de Sevilha de 1929, foi nomeado<br />Arquitecto-Chefe<br />da fabulosa Exposição do<br />Mundo Português, de 1940,<br />onde também projectou a<br />Praça do Império, a fonte<br />Monumental e o Monumento<br />aos Descobrimentos, este<br />em parceria com Leopoldo<br />de Almeida. Só o nome de<br />Cottinelli Telmo bastaria<br />para fazer meditar, e muito,<br />no destino a dar a este Bairro.<br />A partir do primeiro<br />quartel do século XX, o<br />ordenamento começa a ser<br />sistemático, mas vagaroso.<br />Até lá chegar, esta terra, mágica,<br />ainda tinha um longo<br />caminho a percorrer. Mas,<br />ano a ano, as indústrias,<br />as lojas, os cafés, os restaurantes<br />e as pensões vão<br />proliferando. É a Mercearia<br />Invicta, a Cesaltina Estudante,<br />o Tem Tudo do Raul<br />Esmifra, o António Roldão,<br />a Padaria Flor, os Agostinhos,<br />o Restaurante Faustino,<br />o Monumental, o Retiro<br />Azul, o Frutuoso Mendes, o<br />Zé dos Fósforos, o António<br />Silva, a Agência Progresso,<br />A Tipografia Silva, o restaurante<br />Bucelas, a Pensão<br />13 de Março, a ourivesaria<br />Entroncamento, o comboio, a terra e os homens 53<br />Reinaldo Silva, a ourivesaria<br />Batalha, a ourivesaria<br />Ferreira, a ourivesaria Reis<br />e mais uns quantos que souberam<br />prosperar numa terra<br />que parece abençoar quem<br />trabalha, quem lê, quem estuda,<br />e quem se informa. A<br />vida não tem segredos. Há<br />que arregaçar as mangas e<br />deitar-lhe as mãos.<br />Os jornais foram sempre<br />muito procurados. O Silvino<br />dos Jornais foi mesmo<br />homenageado pelo Rotary<br />Clube como prova evidente<br />que na sociedade todos<br />somos importantes desde<br />que saibamos ocupar com<br />competência os cargos que<br />desempenhamos.<br />Ninguém esquece o<br />Maurício, a carroça, e a pachorrenta<br />Atmosfera, que<br />transportava os garotos, as<br />batatas e tudo o que vinha<br />em pequena ou grande velocidade<br />para as casas particulares<br />ou para o comércio.<br />O engraxador Taxa que<br />nunca perdia pitada para<br />molestar o polícia, Zé da<br />Amélia, que era mais lesto<br />que um furão a procurar<br />os que faziam contrabando.<br />Por outro lado, o comércio,<br />que começava a despontar,<br />agradecia. O contrabando<br />diminuía-lhes as vendas.<br />Mas como diz o ditado,<br />Roma e Pavia não se fize54<br />Cunha Simões<br />ram num dia.<br />No Entroncamento nunca<br />foi dado um passo maior<br />do que a perna.<br />Houve um Homem que<br />chegou ao Entroncamento<br />em 1911, compreendeu as<br />potencialidades da terra e a<br />importância que o Entroncamento<br />representava para<br />todo o País. Esse Homem<br />foi José Duarte Coelho.<br />Com ele, o Entroncamento,<br />ganha estatuto.<br />O pequeno lugar enche o<br />peito.<br />A Companhia dos Caminhos-<br />de-ferro continua com<br />a política de suporte e apoio<br />aos seus funcionários; dálhes<br />condições de estabilidade.<br />No próprio local de<br />trabalho são construídas<br />mais habitações.<br />Os bairros ferroviários<br />crescem em qualidade, solidez<br />e beleza. Olhem-se para<br />as construções e digam-me<br />o que sentem. Todos têm<br />orgulho nas suas casas e no<br />seu arranjo. A escola é frequentada<br />por novos e velhos.<br />Os filhos também podem<br />estudar onde os pais se<br />encontram.<br />O edifício da estação dos<br />Entroncamento, o comboio, a terra e os homens 55<br />Caminhos-de-Ferro era já<br />imponente para a época, o<br />que vinha demonstrar a importância<br />que, tanto os poderes<br />instituídos como os<br />gestores dos Caminhos-de-<br />Ferro, lhe atribuíam.<br />Os comerciantes vêem<br />aqui um bom futuro apesar<br />da Companhia ter um armazém<br />de víveres para os seus<br />funcionários, no local onde<br />hoje se encontra a praça de<br />táxis.<br />Hesitantes erguem-se as<br />pequenas indústrias. O Entroncamento<br />começa a tomar<br />forma, ainda um pouco<br />desorganizada, como era<br />hábito nas terras do interior<br />onde cada um construía<br />a seu belo prazer e onde<br />os planos de ordenamento<br />eram incipientes, tal como<br />se passava um pouco por<br />toda a Europa. As excepções<br />eram muito raras.<br /><br />X<br /><br />Em 1923 cinco bancos<br />vão à falência. Ninguém<br />sabe o que fazer. Os pobres<br />são aos milhares, todos pedem<br />que os governem. Governem<br />como quiserem,<br />mas governem, mesmo em<br />ditadura. Foi o que aconteceu<br />a pedido do povo.<br />Em 28 de Maio de 1926,<br />o General Gomes da Costa,<br />derruba o Governo e começa<br />a governar em ditadura.<br />A 22 de Janeiro é confirmada<br />a censura à imprensa.<br />O País respira de alívio.<br />Em 1927, aqueles que vivem<br />do caos e da confusão<br />provocam mais revoltas e<br />mais alguns mortos. O povo<br />compreende que estão a fazer<br />dele carne para canhão<br />e coloca-se ao lado do Governo.<br />Chegou finalmente<br />a paz. O povo apoiou quem<br />se dispunha a mandar com<br />firmeza. O alívio foi geral.<br />O Entroncamento que<br />desde o seu primeiro carril<br />nunca tinha descarrilado,<br />viu aqui, neste tempo<br />de paz, e antes que alguém<br />se lembrasse de embrulhar<br />tudo, uma boa oportunidade<br />para estruturar e dar consistência<br />à terra que aos poucos<br />se foi desenvolvendo.<br />E tinha-o sempre feito com<br />tanto cuidado que apesar da<br />estação do Entroncamento<br />distanciar das Vaginhas<br />e da Ponte da Pedra, algumas<br />centenas de metros,<br />havia ainda largos campos<br />e muito olival pelo meio.<br />Umas casas erguiam-se em<br />redor das primeiras linhas e<br />outras encontravam-se dispersas<br />pelos lugares de passagem.<br />A rua 5 de Outubro<br />só começa a tomar forma a<br />partir da primeira década do<br />século XX.<br />O Entroncamento entusiasma-<br />me porque vejo<br />nele o símbolo da força, da<br />ponderação, do sacrifício e<br />da inteligência dos ferroviários.<br />A 25 de Agosto de 1926,<br />no mesmo ano da revolução<br />de 28 de Maio de 1926, José<br />Duarte Coelho, ferroviário,<br />e um grupo de Ferroviários<br />conseguem a criação<br />da Junta de Freguesia do<br />Entroncamento. O decreto<br />12192 gerou uma freguesia<br />com 800 habitantes. Foi o<br />primeiro grande passo para<br />começar o desenvolvimento<br />sob a condução de quem vivia<br />e trabalhava nesta terra.<br />A fixação vai agora proceder-<br />se a um ritmo mais<br />rápido.<br />A CP continua a privilegiar<br />o apoio social sem<br />regatear a meios. São construídos<br />mais bairros sociais.<br />As mulheres dos ferroviários<br />vêm para junto dos<br />maridos. Por muito estranho<br />que pareça a harmonia<br />prevalece sempre entre os<br />casais. Não consta haver divórcios.<br />As mulheres também<br />não tinham tempo para<br />lamentações. Se as tinham<br />guardavam-nas para elas.<br />Os afazeres ocupavam-lhes<br />as mãos e o pensamento. Os<br />homens preocupados com<br />os trabalhos nas linhas, na<br />condução dos comboios,<br />nas cargas e descargas não<br />tinham vagar para outros<br />devaneios. Elas na lida da<br />casa, no cuidar dos filhos,<br />no arranjo e cultivo do pequeno<br />quintal ajardinado e<br />do galinheiro, também não<br />se queixavam. As zangas,<br />que não houve, e o amor<br />que sempre dedicaram uns<br />aos outros pouparam-lhes<br />58 Cunha Simões<br />o coração e outras doenças<br />que muitas vezes são causadas<br />mais pelo pensamento<br />do que pelo corpo.<br />Os homens e mulheres<br />que vieram jovens para fundar<br />o Entroncamento ultrapassavam<br />e ultrapassam<br />com frequência os 90 anos.<br />Hoje ainda podemos citar<br />homens e mulheres com<br />mais de oitenta anos que<br />continuam à frente do seu<br />comércio ou das suas indústrias.<br />Podia nomear vários<br />casos como o do senhor<br />José Mendes Bento, como<br />um homem que trabalha de<br />manhã à noite, com ar feliz,<br />simpático e saudável mesmo<br />quando discute futebol<br />com os amigos que fazem<br />da sua Drogaria uma Tertúlia<br />Benfiquista, mas onde<br />os Sportínguistas e Portistas<br />aproveitam para os massacrar<br />sempre que o “Glorioso”<br />perde. Ele também<br />foi ferroviário e teve muito<br />orgulho em pertencer a uma<br />Companhia bem organizada<br />e que sempre respeitou<br />e incentivou os trabalhadores.<br />Depois da reforma não<br />parou.<br />Foi isto que fez e faz do<br />Entroncamento uma terra<br />de gente simples, inteligente,<br />mas que não se enfeita<br />com penas de pavão. Aqui<br />saboreia-se o prazer da vida<br />e do trabalho. Muitos outros,<br />de outras terras, nunca<br />o conseguirão. O dinheiro<br />não lhes deixa apreciar o<br />prazer das pequenas coisas.<br />Daquilo que é feita a vida<br />humana.<br />Estes seres humanos são<br />semelhantes a bactérias, às<br />bactérias do Cosmos. Estou<br />mesmo convencido que não<br />passamos de bactérias que<br />trabalhamos no imenso estômago<br />que é o Universo.<br />O mundo não é nada se<br />Entroncamento, o comboio, a terra e os homens 59<br />não formos saudáveis de<br />corpo e Espírito. O exemplo<br />está no infeliz, amável<br />e bondoso, rei D. Pedro V,<br />o homem que impulsionou<br />e se interessou profundamente<br />pelo desenvolvimento<br />deste generoso meio de<br />transporte que é o comboio.<br />O rei D. Pedro V, esbelto,<br />rico e culto morre aos vinte<br />e poucos anos tal como<br />morre um labrego sem vintém.<br />A morte é o maior signo<br />da igualdade entre os seres<br />humanos e aquela que nos<br />diz que só valemos pelos<br />nossos actos. Só por eles<br />nos libertamos, e só por eles<br />ficamos na recordação dos<br />vindouros.<br />Os ferroviários do Entroncamento<br />desde o início<br />compreenderam isso e os<br />gestores do processo tiveram<br />o exemplo dos seus<br />congéneres europeus, que<br />colocavam nos comboios e<br />nas vias engenheiros de fato<br />de macaco, exemplificando<br />no terreno como tudo se fazia<br />correctamente. Os ferroviários<br />compreenderam, no<br />terreno, que as doutorices,<br />os Condes, os Viscondes e<br />os Marqueses da altura, só o<br />eram se mostrassem que tinham<br />mais valor e mais capacidades.<br />Verificamos isso<br />até no traçado das linhas.<br />Aquilo que devia ser só feito<br />pelo interesse nacional<br />era, muitas vezes, condicionado<br />pelas conveniências<br />particulares. Outras vezes,<br />como de cada cabeça saía<br />sua sentença, e os poderes<br />instituídos queriam agradar<br />a todos, acabavam por<br />prejudicar quem queriam<br />defender. O Entroncamento<br />foi beneficiário dessa insensatez.<br />Ainda bem. Os seus<br />carris deram os melhores<br />frutos.<br /><br />XI<br /><br />O Entroncamento assentou<br />em bases sólidas. A convivência<br />entre chefes e empregados<br />foi sempre muito<br />boa.<br />A criação da Junta de<br />Freguesia foi o foral que<br />concedia os primeiros direitos.<br />A partir deste momento<br />tudo se torna mais simples.<br />Indiferente às questiúnculas<br />governamentais, José<br />Duarte Coelho dá prioridade<br />ao que é essencial.<br />Mas para manter o equilíbrio<br />mental, José Duarte<br />Coelho, não descura alguns<br />momentos de lazer. Num<br />livro sobre tauromaquia,<br />que o Sr. Samuel Reis está<br />prestes a publicar, encontrei<br />a faceta curiosa do Homem<br />que lutou denodadamente<br />pela dignificação do Entroncamento.<br />José Duarte<br />Coelho era um apaixonado<br />pela festa brava e não tinha<br />melhor meio para relaxar do<br />que discutir os momentos<br />mais empolgantes das corridas<br />a que assistia. Umas<br />vezes na primitiva Pastelaria<br />Ribatejo e outras na<br />Farmácia Carvalho, a qual<br />Entroncamento, o comboio, a terra e os homens 61<br />se transformava em tertúlia<br />Tauromáquica, numa terra<br />onde os doentes eram poucos<br />e as curas feitas à base<br />de papas de linhaça, ventosas<br />e clisteres.<br />Para uma comunidade<br />organizada é fundamental<br />assegurar os principais bens<br />de consumo a preços a que<br />todas as classes sociais tenham<br />acesso. No Entroncamento<br />a classe dominante<br />era a dos ferroviários, mas<br />outros se lhe juntavam sem<br />quaisquer diferenciações.<br />Uma das primeiras medidas<br />da Junta de Freguesia foi<br />a criação de um mercado<br />mensal de gado em 1927,<br />e a construção e inauguração,<br />em 1930, de um mercado<br />fechado para produtos<br />hortícolas, carne, peixe. Era<br />um espaço enorme para a<br />época, mas desenhado com<br />elegância e conforto. Hoje o<br />mercado deu lugar ao Centro<br />Cultural. É uma obra<br />elegante e que atrai. Ali<br />funcionam, neste momento,<br />e neste amplo espaço,<br />diversos serviços de entretenimento.<br />Junto ao mercado do<br />Largo da Feira Mensal de<br />Gados e ao Mercado coberto<br />foi construído<br />em 15 de<br />Novembro de<br />1931 um interessantíssimo<br />e útil Chafariz<br />que desseden62<br />Cunha Simões<br />tava homens e animais. Era<br />um projecto do Engº Henrique<br />Sequeira. Foi deitado<br />abaixo depois do 25 de Abril<br />sem que para isso houvesse<br />necessidade. Desfez-se uma<br />obra de arte. Foi destruída<br />uma memória colectiva. Todos<br />perdemos com o disparate.<br />No seu lugar costuma<br />estar uma roulotte de farturas.<br />Ainda bem que alguém<br />tira proveito do gravíssimo<br />erro cometido.<br />Uma das maiores carestias<br />do Entroncamento era a<br />água. Muitos ainda se recordam<br />da “carroça do Bexiga”<br />que acarretava água da Moita<br />para o Entroncamento. A<br />água era puríssima.<br />A Junta conhecedora desta<br />carência imediatamente<br />providencia a colocação de<br />fontanários em locais estratégicos<br />para que cada um aí<br />se possa abastecer. Estavam<br />chafarizes no largo da Estação<br />e no Largo do Ti Alfredo.<br />Com muita prudência, a<br />Junta de Freguesia foi ordenando<br />o território que tinha<br />de ser sacrificado para<br />arruamentos e construção.<br />Delimita e permite a urbanização<br />porque a área é pequena.<br />Imediatamente compreendeu<br />que algo tinha de<br />sacrificar para melhor benefício<br />da instalação da popuEntroncamento,<br />o comboio, a terra e os homens 63<br />lação que aos poucos aqui<br />se iria fixar. Entre o fértil<br />campo ou a urbanização organizada<br />optou-se por esta<br />a menos que se quisesse<br />colocar as pessoas umas em<br />cima das outras.<br />Elaborado o plano, as escolas<br />são a grande prioridade.<br />Precisavam-se espaços<br />verdes, sempre a pensar no<br />futuro, porque em 1926 os<br />espaços verdes não faltavam,<br />e mantiveram-se enquanto<br />as velhas e enternecedoras<br />máquinas a carvão<br />expeliam os fumos e poluíam.<br />No Entroncamento as<br />máquinas eram sempre<br />muitas; ou em reparação ou<br />prontas a prestar socorro a<br />outras que avariassem e ainda<br />a todas aquelas que passavam<br />cruzando linhas que<br />aqui entroncavam. O sr. J.J.<br />Cipriano disse-me que em<br />movimento estavam sempre<br />cinco. Duas para formação<br />de comboios de mercadorias,<br />a titular e a auxiliar da<br />formação, outras duas no<br />Cavalo. (o Cavalo é uma<br />elevação onde os vagões<br />são colocados para depois<br />saírem, por inércia, para as<br />respectivas linhas. Os vagões<br />eram marcados a giz<br />para serem distribuídos.) Na<br />parte da estação havia sempre<br />uma máquina em manobras.<br />Para manter estes serviços<br />em movimento havia<br />a máquina Compensadora.<br />Esta, por meio de apitos,<br />combinados, chamava a máquina<br />Titular para o Depósito<br />afim de limpar o fogo e<br />abastecer de carvão e água.<br />Havia ainda uma máquina<br />64 Cunha Simões<br />de serviço a todas as oficinas:<br />vagões, rodas, grande<br />reparação, aos quartéis, ao<br />depósito de materiais etc.<br />Só em maquinistas, fogueiros,<br />agulheiros e engatadores,<br />era muita gente. Agora<br />juntemos-lhe todo o restante<br />pessoal da estação e diferentes<br />serviços. Muitas vezes<br />chegavam a ultrapassar<br />as cinco mil pessoas.<br />Que magnifica estação a<br />do Entroncamento! Parecia<br />mais uma colmeia. O movimento<br />era intenso, o trabalho<br />muitíssimo, mas não<br />havia um queixume, havia<br />ordem, havia o prazer do<br />dever cumprido, havia ainda<br />a certeza que o ordenado<br />estava certo, que chegava<br />para pagar a água, a luz e<br />para as despesas do dia a<br />dia e ainda sobravam umas<br />migalhas para pôr de lado.<br />Os filhos também estavam<br />protegidos. A escola era a<br />grande riqueza.<br />Não há memória de um<br />só, filho de ferroviário, ser<br />analfabeto, embora, os pais<br />o fossem, quando entraram<br />para os Caminhos-de-Ferro,<br />como é o caso do senhor<br />Cândido da Silva de quem<br />iremos falar mais à frente.<br />O seu lema era: defender<br />a empresa, fazendo o que<br />a cada um estava determinado<br />e estimando os passageiros,<br />mas evitando que<br />alguém danificasse, fosse o<br />que fosse.<br />Em 5 de Dezembro de<br />1928 é criado o União que<br />além do futebol se destacou<br />no ciclismo, mas que hoje<br />tem o seu forte no hóquei<br />em patins.<br />Entroncamento, o comboio, a terra e os homens 65<br />Em 25 de Maio de 1931<br />nasce o Grupo Desportivo<br />dos Ferroviários, com o<br />nome de Grupo Desportivo<br />das Oficinas da C.P. As suas<br />actividades foram múltiplas.<br />Torneios de Futebol<br />entre Grupos oficinais da<br />C.P. Columbofilia, Ténis de<br />Mesa, Basquetebol. Reuniões<br />de convívio entre sócios<br />e não sócios, festas de Verão.<br />O Parafuso, a SCAFA, o<br />União, o Grupo Desportivo<br />dos Ferroviários e o Clube<br />Amador Desportos do Entroncamento<br />foram aglutinadores<br />de todos quantos<br />viviam no Entroncamento.<br />66 Cunha Simões<br />O Entroncamento ainda<br />não tinha 6 mil habitantes<br />quando é elevado a Vila pelo<br />decreto-lei 22010 de 21 de<br />Dezembro de 1932, mas já<br />possuía 1185 prédios urbanos,<br />a maioria só de rés-dochão,<br />como eram os prédios<br />naquela época, mas outros<br />já têm primeiro andar e a<br />data em que foram construídos;<br />inscrita na cimalha ou<br />nos portões das casas. Ainda<br />há alguns. Procure e vai<br />ver que encontra. Comece<br />pela Rua Latino Coelho.<br />A melhor maneira de<br />descobrir esta cidade é<br />olhando-a. No final, para tirar<br />dúvidas e colocar questões<br />vá até à bem recheada<br />e bem organizada Biblioteca<br />Municipal, que funciona<br />no prédio onde está a Junta<br /><br />XII<br /><br />de Freguesia de São João<br />Baptista. Aí encontra livros<br />e jornais sobre o Entroncamento.<br />O Entroncamento continua<br />a crescer.<br />Há gente que vem de<br />todo o lado para aqui se<br />estabelecer. Muitos ainda<br />se lembram do Perningó.<br />O Perningó era alcunha de<br />um simpático espanhol, que<br />aqui fez fortuna, com um<br />chupa-chupa, muitíssimo<br />bom, e que para o comprar,<br />a criançada fazia bicha. O<br />Perningó, apesar do sucesso,<br />queria sempre vender<br />mais e não se cansava de<br />apregoar a especialidade,<br />dizendo bem alto: “chora,<br />chora, minino, chora, que o<br />Perningó se vai embora”.<br />As casas do Caminho-de-<br />Ferro foram sempre bem desenhadas<br />e construídas com<br />bons materiais, tão bons que<br />ainda hoje resistem ao tempo<br />sem que o caruncho as<br />corroa. Verifiquem-se as escadas<br />e os soalhos das ainda<br />existentes. São os mesmos<br />de há quase um século. Parece<br />que foram construídas<br />nos dias de hoje.<br />A elevação a Vila não<br />deslumbrou nem o Presidente<br />da Junta nem a população.<br />Agradeceram o<br />título, mas a sua ambição<br />era outra. Eles sabiam que o<br />verdadeiro progresso não se<br />faz dando grandes saltos. É<br />preciso ponderar tudo com<br />muito cuidado. Observem a<br />Natureza. Levou milhões de<br />anos a criar, a desenvolver e<br />a aperfeiçoar o ser humano,<br />mesmo assim ainda não es68<br />Cunha Simões<br />tamos totalmente afinados.<br />Se estivéssemos não havia<br />nem pobres nem guerras.<br />A perseveração da dignidade<br />das pessoas não está<br />só no conversar e no dormir<br />sossegadamente, está na<br />qualidade de vida.<br />A Junta de Freguesia vai<br />fazendo contas e acolhendo<br />todos os que aqui se desejam<br />fixar. A grande maioria,<br />como já se referiu, eram<br />ferroviários, militares e respectivas<br />famílias.<br />O local privilegiado onde<br />o Entroncamento se encontra<br />e apoiado no entroncamento<br />de linhas que aqui se<br />cruzam levam a que a administração<br />dos Caminhos-de-<br />Ferro concentre, neste local,<br />muitas instalações para<br />material de substituição,<br />reparação e construção. Os<br />operários especializados<br />que aqui trabalharam e trabalham<br />são do melhor que<br />há na Europa.<br />O Entroncamento torna-<br />se a par com o Barreiro<br />nos dois maiores centros de<br />concentração do operariado<br />Português.<br />O quantitativo de impostos<br />e contribuições pagas ao<br />Estado, supera largamente<br />os da singela sede de Concelho,<br />ou seja de Vila Nova<br />da Barquinha, como o de<br />muitos outros concelhos do<br />país. Mas entre a elevação a<br />Vila e o finalmente alcançado<br />e abençoado Concelho, a<br />Europa encontra-se a ferro<br />e fogo.<br />Apesar dos anos conturbados<br />por que o País está<br />a passar, José Duarte Coelho<br />tenta esticar os parcos<br />recursos. Pede aqui e ali;<br />aproveita os seus conhecimentos<br />e a boa vontade<br />dos grandes proprietários.<br />As casas Sommer e Juncal.<br />É assim que nasce o jardim<br />Pereira Caldas, se começam<br />a rasgar ruas e a própria<br />Igreja consegue largos<br />terrenos para a construção<br />da Igreja paroquial e dos<br />serviços sociais adjacentes.<br />Por esta altura e para obviar<br />quaisquer carências é criada<br />a Casa de Protecção aos<br />Indigentes na sequência da<br />ideia da duquesa de Palmela<br />que, em Lisboa, tinha posto<br />a funcionar seis cozinhas<br />semelhantes. No Entroncamento<br />talvez não se justificasse,<br />mas José Duarte<br />Coelho, não quis correr riscos.<br />Pelas informações que<br />obtive, a Casa de Protecção<br />aos Indigentes funcionou, a<br />maior parte do tempo, como<br />refeitório de quem não queria<br />fazer as refeições em<br />casa.<br />A Espanha, que há muito<br />tempo fervilhava de agitação,<br />em 1936 explode e<br />entra numa guerra civil tão<br />sanguinária que excedeu<br />em barbaridade tudo o que<br />a nossa imaginação possa<br />abarcar. A guerra civil Espanhola<br />durou até 1939.<br />O Governo fez tremendos<br />esforços para evitar<br />que o povo Português fosse<br />contaminado por tanta insanidade.<br />Tínhamos saído há<br />pouco tempo da Primeira<br />República, de triste memória,<br />não por ser República,<br />mas pelos disparates que<br />foram cometidos e que prejudicaram<br />sempre os mais<br />desfavorecidos.<br />A guerra civil de Espanha<br />fez com que Portugal<br />fosse avançando com muitas<br />cautelas. Todos sabemos<br />que nestas épocas de loucu70<br />Cunha Simões<br />ra colectiva tudo é possível.<br />Às vezes bastam meia dúzia<br />para destruir um país. Os demagogos<br />são capazes de inventar<br />palavras de encantar<br />o mais sensato. Neste momento<br />a Espanha está desfeita<br />em crimes horrendos.<br />Alguns políticos espanhóis,<br />para recuperar alguma coisa,<br />num país onde já falta<br />tudo menos balas e carne<br />para canhão pensam aproveitar<br />este momento para<br />invadir Portugal. O Governo<br />Português sabe de todos<br />estes movimentos através<br />dos Serviços de Segurança<br />do Estado, chamados, na<br />época, PVDE, Polícia de<br />Vigilância e Defesa do Estado,<br />a qual só em Outubro<br />de 1946 mudou o nome para<br />PIDE, Polícia Internacional<br />e de Defesa do Estado.<br />Salazar para evitar graves<br />consequências tem de<br />fazer um jogo diplomático<br />quase ao minuto.<br />A Espanha não nos oferecia<br />quaisquer garantias<br />de segurança apesar de alguns<br />anos antes, em 1869,<br />ter convidado D. Fernando,<br />marido de D. Maria II e pai<br />de D. Pedro V e de D. Luís,<br />para ser rei de Espanha. Ouvidos<br />os conselheiros reais,<br />D. Fernando não aceitou.<br />Ainda se tomava muito à letra<br />a sentença que dizia: “de<br />Espanha, nem bom vento,<br />nem bom casamento.” Hoje,<br />a Espanha está muito diferente<br />e o ditado deixou de<br />fazer qualquer sentido. Portugal<br />e Espanha fazem parte<br />de um País mais abrangente:<br />a União Europeia. O bemestar<br />ou as dificuldades de<br />um país reflectem-se em todos<br />os outros.<br />O Entroncamento era um<br />local de paz e de trabalho,<br />merecedor de passar a concelho.<br />A decisão foi sendo<br />protelada à espera do momento<br />certo.<br />Quando acaba a guerra<br />civil espanhola e se pensava<br />que o fogo na casa do<br />vizinho estava apagado e o<br />Governo Português poderia<br />implementar os Planos<br />de Fomento, rebenta mais<br />uma carnificina, e esta com<br />a agravante de se estender a<br />todos os países da Europa,<br />com a excepção de Portugal<br />e Espanha.<br />Salazar, várias vezes<br />avisou Franco do erro que<br />cometeria se aderisse aos<br />planos de Hitler e Mussolini<br />que continuamente insistiam<br />com Franco para<br />entrar, com larga vantagem,<br />para o seu lado. Com os<br />conselhos de Salazar ou sem<br />eles, a verdade é que Franco<br />evitou entrar em mais um<br />vergonhoso extermínio, em<br />que as vítimas e os culpados<br />foram os próprios seres humanos.<br />Quem compulsar os volumes,<br />do Ministério dos<br />Negócios Estrangeiros, respeitantes<br />aos “Dez Anos de<br />Política Externa” entre 1936<br />– 1947 ficará elucidado sobre<br />o esforço Português. A<br />correspondência é diária e<br />intensa entre Oliveira Salazar<br />e os seus embaixadores<br />na Europa e no resto do<br />mundo onde a guerra tinha<br />marcado presença; através<br />destes documentos podemos<br />compreender melhor muitas<br />atitudes do Governo.<br />Como a Segunda Guerra<br />Mundial se desenrola entre<br />1939 e 1945, pelo Entroncamento<br />continuava a passar<br />de tudo e em grandes<br />quantidades; desde soldados<br />que se movimentavam<br />de um lado para o outro, a<br />mercadorias que alimentavam<br />Lisboa e outras grandes<br />cidades.<br />72 Cunha Simões<br />Meto aqui uma pequena<br />nota. Um dos homens que<br />mais apreciava o comboio<br />era o Padre Cruz. Pouco<br />tempo depois do Padre Martinho<br />Mourão tomar conta<br />da Paróquia da Sagrada Família,<br />volta que não volta,<br />o Padre Cruz aqui aparecia.<br />Dizia ele que vinha retemperar<br />forças. Na verdade<br />viveu até aos 89, sempre lúcido<br />e bem disposto.<br />O Entroncamento desenvolve-<br />se a olhos vistos.<br />Passados alguns meses<br />depois de fi ndar este execrável<br />e vergonhoso confl ito,<br />próprio de humanóides e<br />não dos seres humanos com<br />cabeça, pensamento e fala,<br />nasce o Concelho do Entroncamento.<br />Vejamos os argumentos<br />com que Duarte Coelho e os<br />seus pares defendem a sua<br />petição.<br />Sr. Ministro do Interior<br />Excelência<br />A Junta de Freguesia<br />do Entroncamento trairia a<br />missão que lhe foi confi ada<br />desde o advento da Revolução<br />Nacional e não obedeceria<br />a um imperativo categórico<br />de consciência se<br />não fi zesse chegar até junto<br />dos poderes públicos competentes<br />o mais justifi cado e<br />vibrante apelo, fundado em<br />múltiplas razões de ordem<br />económica, administrativa,<br />social e política, e até moral,<br />Entroncamento, o comboio, a terra e os homens 73<br />no sentido de pedir a melhor<br />atenção e interesse para as<br />realidades que impõem a<br />necessidade imperiosa de<br />uma revisão urgente da sua<br />situação administrativa, em<br />ordem a ser criado um novo<br />concelho que abranja, quando<br />não mais, a área que hoje<br />constitui a referida freguesia<br />ou ainda, pelo menos, a<br />mudança da actual sede de<br />concelho – Vila Nova da<br />Barquinha – para a Vila do<br />Entroncamento.<br />Têm os membros desta<br />Junta de Freguesia clara noção<br />das responsabilidades<br />que sobre si impendem ao<br />vir solicitar, embora baseada<br />em dados concretos e<br />convincentes, que não podem<br />deixar margem de dúvidas<br />no espírito de quem<br />quer que seja, a satisfação<br />de uma medida que reputam,<br />em verdade, mais do<br />que uma natural e legítima<br />aspiração do povo Entroncamentense,<br />uma necessidade<br />de ordem administrativa,<br />visando o interesse<br />superior dos povos e o<br />progresso da Nação, num<br />reflexo parcial do desenvolvimento<br />de uma localidade<br />que em decénios se tornou,<br />pelas boas provas que de si<br />tem sabido dar um ritmo de<br />expansão impressionante,<br />absolutamente merecedora<br />da situação que hoje pede,<br />por intermédio dos seus directos<br />representantes, - esta<br />Junta de Freguesia – que lhe<br />seja reconhecida e concedida,<br />pois trata-se de uma Vila<br />com notável incremento industrial<br />e comercial, servida<br />pelas melhoras vias de<br />comunicação do país e dotada<br />de instalações urbanas<br />de água e luz, o que não sucede<br />em relação à água, na<br />própria sede do concelho!<br />Não são razões de mera<br />74 Cunha Simões<br />ordem sentimental ou de<br />condenável e inaceitável<br />excesso de bairrismo que<br />nos leva até junto das esferas<br />superiores solicitando<br />a criação de um concelho<br />ou uma mudança da actual<br />sede do concelho de Vila<br />Nova da Barquinha para<br />esta Vila.<br />Bem mais eloquentemente<br />do que nós o pudéssemos<br />fazer, do que os nossos<br />desejos legítimos, falam<br />expressamente os números<br />que se apresentam, cuja<br />análise e estudo levarão<br />inevitavelmente, com o poder<br />indestrutível das coisas<br />evidentes, aqueles que terão<br />de informar o respectivo<br />processo e os que em última<br />instância o resolverão dando<br />o seu – “veredictum”,<br />assim o julgamos com honestidade,<br />à convicção de<br />que se trata de um acto de<br />necessária justiça que urge<br />ser praticado a bem do interesse<br />geral e não só do restrito<br />interesse local, embora<br />também de considerar.<br />Não enfastiamos com<br />uma descrição pormenorizada<br />do que tem sido a acção<br />da Junta após o advento<br />do 28 de Maio, data a seguir<br />à qual e até hoje tomámos<br />conta dos seus destinos,<br />ininterruptamente, com o<br />fito único de elevar esta terra<br />à categoria a que tem jus<br />seu valor e importância no<br />concerto da Nação.<br />Mas, pela própria natureza<br />do que se refere, não podemos<br />eximir-nos a traçar,<br />ainda que a tintas ligeiras, o<br />actual panorama da Vila do<br />Entroncamento sob vários<br />aspectos que ao assunto em<br />causa possam directamente<br />interessar, baseando e fortalecendo<br />o pedido apresentado.<br />Depois da Vila do BarEntroncamento,<br />o comboio, a terra e os homens 75<br />reiro é o Entroncamento o<br />2º meio operário português,<br />como é do conhecimento<br />geral, representando o operariado,<br />grande parte dele<br />especializado e técnico seguramente<br />mais de metade<br />da sua população, a qual é<br />constituída actualmente por<br />8.300 habitantes enquanto<br />que a sede do concelho não<br />chega a atingir os 1.300, o<br />que nos dá uma percentagem<br />de 56,58% para esta<br />Vila e 8,55% para a Vila da<br />Barquinha!!!<br />Com mais de metade da<br />população total do concelho<br />não é de estranhar que a Freguesia<br />do Entroncamento,<br />em matéria eleitoral, possa<br />só por si decidir o resultado<br />de quaisquer eleições na<br />respectiva circunscrição.<br />Nos últimos recenseamentos<br />(eleitores das Juntas de<br />Freguesia e do Poder Legislativo)<br />achavam-se inscritos<br />4237 cidadãos. Pois bem:<br />desse número, 2210 pertenciam<br />a esta Freguesia! A<br />Barquinha, sede do Concelho,<br />dá-nos 474 eleitores!...<br />Percentagens: Entroncamento<br />52,15% - Barquinha<br />11,18%!<br />Chega a parecer inverosímil,<br />de facto, mas é verdade,<br />em todo o seu realismo!<br />De 1930 até à data, a população<br />do Entroncamento<br />aumentou 5.000 habitantes.<br />(...)<br />Os elementos que deixamos<br />expressos podem verificar-<br />se nos diferentes mapas<br />e contas que juntamos<br />para completa apreciação<br />de todos quantos terão de<br />informar e resolver doutamente<br />este assunto.<br />Ao povo do Entroncamento<br />tanto lhe importa<br />uma solução ou outra, na<br />certeza antecipada em que<br />está de que a JUSTIÇA será<br />76 Cunha Simões<br />praticada, confiando plenamente<br />na elevada consciência<br />e alto sentido das<br />realidades políticas, sociais<br />e económicas do momento<br />presente, daqueles a quem<br />está confiada a nobre e ingente<br />tarefa de zelar superiormente<br />pelos interesses<br />morais e materiais do país.<br />A Vila do Entroncamento<br />reúne já todas as condições<br />indispensáveis e necessárias,<br />seja qual for o prisma<br />por que se encare, para poder<br />constituir a sede de um<br />Concelho, de um bom Concelho!<br />(...)<br />As fotografias que vão a<br />ilustrar esta petição podem<br />ajudar a avaliar da veracidade<br />e merecimento das<br />afirmações produzidas.<br />A não efectivação desse<br />“desideratum” acarretará<br />prejuízos morais e materiais<br />difíceis de prever em toda a<br />sua extensão e alcance, forçando<br />ao desânimo, à inanição<br />e até possível perda,<br />num futuro mais ou menos<br />próximo, da obra executada<br />até agora à custa de sacrifícios<br />de toda a espécie com o<br />precioso auxílio do Estado<br />Novo Corporativo, cujas directrizes<br />nos orgulhamos de<br />ter seguido desde a primeira<br />hora e sabido concretizar,<br />com a boa vontade e compreensão<br />de todo o povo da<br />freguesia, que sempre, nos<br />deu o seu desinteressado<br />concurso e apoio, nas realizações<br />práticas levadas a<br />efeito e que neste momento<br />se impõem à evidência<br />como dos melhores e mais<br />fortes argumentos para o<br />que vimos impetrar:<br />A criação de um Concelho<br />ou a mudança da actual<br />sede de concelho de Vila<br />Nova da Barquinha para a<br />Vila do Entroncamento.<br />Entroncamento, o comboio, a terra e os homens 77<br />O Povo e a Junta de Freguesia<br />do Entroncamento<br />Vos agradecerão esse acto<br />de JUSTIÇA!<br />Entroncamento, Maio de<br />1945<br />A Junta de Freguesia<br />José Duarte Coelho<br />António Picciochi Garcia<br />Frutuoso Mendes<br />O Concelho do Entroncamento<br />é criado pelo decreto-<br />lei nº 35184 de 24 de<br />Novembro de 1945. A população<br />residente abrange<br />já quase 9 mil almas, mas<br />faltam-lhe água em quantidade<br />e esgotos, recolha organizada<br />de lixo, pavimentação<br />de ruas, distribuição<br />de electricidade a muitas<br />habitações que ainda não<br />possuíam.<br />Com a elevação a concelho<br />e com a disponibilidade<br />de verbas que a edilidade<br />passou a ter, tudo seria mais<br />fácil.<br /><br />XIII<br /><br />Esta terra é fruto de ferroviários.<br />Os das Vaginhas trocaram,<br />desde início, a enxada<br />pela picareta, pela oficina<br />das rodas ou pelo assentamento<br />dos carris. Houve<br />famílias cujos cabeças de<br />casal trabalhavam na Companhia<br />enquanto as mulheres<br />tratavam das hortas.<br />O Senhor Manuel Bandeja,<br />hoje com 81 anos, tinha<br />pai e tio a trabalhar para<br />a C.P. Afirmou-me que nas<br />Vaginhas não devia haver<br />ninguém que não tivesse<br />um familiar a trabalhar na<br />C.P.<br />O senhor Cândido da Silva<br />tem 86 anos e muitas recordações.<br />Nasceu no Malhadal,<br />São Tiago de Montalegre,<br />Sardoal. Entrou<br />para a CP em 1942 como<br />carregador suplementar.<br />Ganhava 9$00 por dia, cerca<br />de € 0,045, nos dias de<br />hoje. Mas não ganhava nas<br />folgas nem quando faltava.<br />O que nunca aconteceu.<br />Apesar de ser pouco, sentiase<br />felicíssimo. Nunca tinha<br />ganho tanto e tão certo.<br />O trabalho não lhe metia<br />medo; fazia cargas e descargas,<br />ajudava nas manobras<br />dos comboios. Completou a<br />sua felicidade em 1943. Casou<br />no Entroncamento.<br />A sua assiduidade e empenho<br />são compensados<br />com um pequeno salto. É<br />nomeado carregador do<br />quadro e entra para o serviço<br />de trens como guarda-freio.<br />Descarrega os volumes dos<br />vagões e guarnece o freio.<br />Quando o maquinista pedia<br />freio apertava. Quando<br />pedia para alargar alargava.<br />Tudo funcionava por apitos.<br />Entroncamento, o comboio, a terra e os homens 79<br />Um apito prolongado desapertava,<br />dois apitos prolongados,<br />apertava.<br />O senhor Cândido sentia-<br />se feliz.<br />À sua volta trabalho. Coisa<br />que não lhe metia medo e<br />lhe deu a energia para correr<br />os anos sem quaisquer<br />doenças.<br />Em 1943 quando o senhor<br />Cândido começa a saborear<br />o sol desta laboriosa<br />terra, ela já começa a dar<br />frutos.<br />O núcleo de trabalho da<br />CP tem um escol de gente<br />especializada. As suas oficinas<br />de reparação e material<br />circulante têm operários<br />com capacidades extraordinárias.<br />Alguns são<br />semianalfabetos, mas a CP<br />oferece-lhes imediatamente<br />condições para estudar.<br />Eles aproveitam. A maioria<br />reformam-se todos em lugares<br />de chefia, o que demonstra<br />o seu valor, a sua<br />vontade e que são o orgulho<br />do povo Português.<br />Continuemos com o senhor<br />Cândido, para darmos<br />o exemplo vivo do homem<br />Português e das suas aptidões<br />quando enquadrado<br />em estruturas fiáveis, de boa<br />gestão e de respeito e admiração<br />por quem trabalha.<br />O senhor Cândido, como<br />guarda-freio, além do ordenado<br />ganhava as deslocações,<br />o percurso e as horas.<br />O trabalho não lhe metia<br />medo. Respeitava as ordens<br />e dava sugestões.<br />O senhor Cândido da<br />Silva entrou para os Caminhos-<br />de-Ferro em 1942,<br />precisamente no ano em<br />que há um surto de greves<br />por falta de bens essenciais,<br />aumento dos preços e ausência<br />de liberdade sindical.<br />No Entroncamento tudo se<br />manteve calmo. Muitos dos<br />80 Cunha Simões<br />trabalhadores ainda tinham<br />apanhado os últimos tempos<br />da Primeira República e sofrido<br />na carne os desvarios<br />dos políticos. Conseguiram<br />sempre ultrapassar todas as<br />dificuldades com muita inteligência.<br />Eles sabiam que<br />estavam em plena guerra e<br />que eram necessários bastantes<br />sacrifícios.<br />O Sr. Cândido quando<br />entrou para os Caminhosde-<br />Ferro mal sabia escrever<br />o nome e ler algumas letras,<br />daquelas do tamanho de um<br />comboio. E sabia-as soletrar<br />porque um dia contou<br />a uma tia que a maior tristeza<br />que ele tinha era não<br />saber ler. A mãe morreu-lhe<br />quando ele andava pelos 4<br />anos. Ficou entregue à vida.<br />Passou muita fome. A sua<br />história dava um romance<br />onde a força de vontade e<br />a capacidade de resistência<br />do ser humano superam<br />tudo, apesar das maiores e<br />mais incríveis e espantosas<br />adversidades.<br />A tia do senhor Cândido<br />ficou a matutar naquilo que<br />ele lhe disse. Um dia apanhou<br />uma perdiz que vendeu<br />por vinte e cinco tostões,<br />pouco mais que um cêntimo<br />e 25 centésimos. Deu-lhe<br />dez tostões, meio cêntimo<br />hoje. O senhor Cândido, entregou<br />esta fortuna a um rapaz<br />que lhe ensinou a fazer<br />o nome e a ler as tais letras<br />grandes com que mais tarde<br />entraria para os Caminhosde-<br />Ferro como quem entra<br />para o paraíso.<br />Em 1943, o senhor Cândido<br />casa. Quem casa quer<br />casa e arrenda uma por 30<br />escudos por mês, hoje equivalente<br />a 15 cêntimos. Paga<br />de água 8 escudos, hoje<br />equivalente a 4 cêntimos.<br />A luz só a do petróleo. Luz<br />eléctrica não tinha, era luxo<br />que Lisboa só viu luzir em<br />1876 e só em Janeiro de<br />1902 se espalhou por quase<br />toda a cidade. Na província,<br />a maior parte das populações<br />até 1955, ainda gastavam<br />petróleo e velas de<br />sebo.<br />O senhor Cândido da<br />Silva consciente que só o<br />conhecimento através da<br />leitura o poderia fazer progredir<br />agarrou-se aos livros,<br />foi para a escola, tirou a terceira<br />classe aos 26 anos e<br />a quarta aos 27, na Escola<br />Camões.<br />Tinha entrado para os<br />Caminhos-de-Ferro aos 23,<br />casara aos 24 e ilustrara-se<br />aos 26 e 27 anos.<br />Os testemunhos são muitos<br />e mostram bem a qualidade<br />da gente, das mais<br />variadas proveniências, que<br />trabalharam na CP e que<br />aqui ficaram e tornaram o<br />Entroncamento uma das terras<br />mais prósperas do País.<br />O sr. Luís da Conceição<br />Inácio que subiu, a pulso,<br />de servente a maquinista<br />técnico diz, com a alegria a<br />saltar-lhe dos olhos, apesar<br />dos seus 77 anos. “O meu<br />gosto foi sempre servir a<br />CP. Nós trabalhávamos com<br />amor ao trabalho”. Quando<br />veio para o Entroncamento<br />e foi morar no final da Rua<br />D. Afonso Henriques, ainda<br />havia o Lagar do Miranda,<br />os Secadores de Pimentão e<br />a Fábrica de Colorau.<br />O Sr. Manuel Rosa Oliveira<br />foi Promotor de Segurança<br />na CP. Sempre sentiu<br />prazer no que fazia e isso<br />82 Cunha Simões<br />fez que tudo corresse sempre<br />sem problemas.<br />O sr. Manuel Ferreira Tavares,<br />que foi factor declara,<br />emocionado, que gostou<br />muito de ser ferroviário.<br />“Foi uma vida cheia e vivida<br />com muito prazer”.<br />O sr. Albino Gameiro<br />Pedro foi serralheiro de máquinas,<br />no sector de manutenção.<br />Era um trabalho que<br />dava prazer e todos queriam<br />saber sempre mais. “Tínhamos<br />gosto no que fazíamos”.<br />O sr. Manuel Tavares<br />Reis disse-me também que<br />gostava muito de trabalhar<br />na C.P “Tudo tinha opinião<br />do que fazia” que é o mesmo<br />que dizer: todos entendiam<br />o que estavam a fazer.<br />“Fazia sempre o serviço<br />com agrado. O chefe explicava<br />o que queria, mandava<br />fazer e fazia-se. Havia uma<br />orientação. Havia quem<br />mandasse e dirigisse. Hoje<br />ninguém sabe quem manda<br />porque são muitos a mandar<br />e cada um manda à sua maneira.<br />Alguns até nem mandam<br />nada porque nem para<br />eles sabem”.<br />“Depois do 25 de Abril,<br />o dinheiro foi mais, mas o<br />gosto foi menos porque, às<br />vezes, a confusão era muita.”<br />O Sr. Manuel Dias Costa<br />trabalhou nas oficinas com<br />compressores, bombas de<br />vácuo, de água, de óleo,<br />com radiadores, ventiladores.<br />Trabalho de operário<br />qualificado. A CP era a sua<br />vida.<br />O Sr. Manuel Pires Sequeira,<br />nasceu no Entroncamento<br />há 64 anos, trabalhou<br />na CP como serralheiro e<br />operador de empilhadoras<br />falou-me do prazer que teve<br />em executar sempre bem o<br />seu trabalho. “Era raro anEntroncamento,<br />o comboio, a terra e os homens 83<br />dar aborrecido porque o trabalho<br />até nos distraía.”<br />O sr. Américo Marcelino<br />Leote, hoje com 80 anos,<br />trabalhava em cofragem e<br />sempre gostou muito do trabalho.<br />Diz que aqueles que<br />estão sempre descontentes<br />deviam ter um empregado<br />para saber quanto custa a<br />vida a cada um.<br />O sr. José da Silva Graça,<br />entrou na CP como<br />aprendiz e saiu de lá como<br />contramestre de Oficinas na<br />reparação de máquinas. Entrou<br />para a CP em 1946 para<br />a Escola de Aprendizes que<br />funcionava no edifício da<br />Central Eléctrica, que ainda<br />hoje existe e é um belo<br />exemplar dos princípios do<br />século XX. A CP foi sempre<br />a sua casa. “Era uma<br />família enorme, mas toda<br />unida. A colaboração entre<br />uns e outros era muito grande.<br />Havia respeito. Nunca<br />medo. O operário se não<br />sabia perguntava e o chefe<br />explicava-lhe, detalhadamente,<br />o que era preciso fazer.<br />Da CP saíram técnicos<br />qualificadíssimos.”<br />O Sr. José António Bispo<br />esteve na revisão de material,<br />passou às carruagens<br />e terminou na reparação e<br />manutenção de baterias.<br />Disse-me: “adorava trabalhar<br />na CP porque além de<br />gostar muito do que fazia,<br />a CP deu sempre garantias<br />de segurança. E, parecendo<br />que não, isso conta.”<br />O Sr. António Mendes<br />Ferreira trabalhou no armazém<br />de peças, depois de<br />ter um acidente de trabalho<br />que não o deixou seguir outros<br />voos. Apesar do que lhe<br />aconteceu gostou sempre de<br />trabalhar na CP.<br />O Sr. Vasco da Silva<br />Amaro trabalhou na Catenária.<br />Gostou do serviço<br />84 Cunha Simões<br />mas num desabafo disseme:<br />“antigamente as pessoas<br />eram responsabilizadas<br />pelos seus actos e isso fazia<br />de nós mais conscientes do<br />nosso valor e dos nossos<br />propósitos. Havia mais prazer<br />no que realizávamos.<br />Sentíamos que éramos alguém.”<br />O sr. João Luís Paulino<br />viu crescer o concelho.<br />Deu-lhe vapor. A sua função<br />era alimentar a fonte.<br />A fonte eram as cargas<br />e descargas, as linhas, os<br />comboios, as locomotivas<br />a carvão até atingir o posto<br />de inspector Regional. Subida<br />a pulso, muito esforço,<br />muita genica, muita cabeça,<br />mas sempre consciente do<br />dever cumprido.<br />Segundo o sr. João Paulino,<br />assim como de todos<br />aqueles com quem contactei,<br />a C.P fazia parte da família.<br />“Toda a gente trabalhava<br />com gosto. Na C.P as<br />pessoas iam para onde a cabeça<br />lhes pendia. A subida<br />de posto ou a mudança de<br />serviço dependia da capacidade<br />e da vontade.” A ele<br />nunca lhe faltou nem uma<br />nem outra. Não regateou<br />sacrifícios nem honrarias.<br />O seu brasão chamou-se<br />trabalho e bem servir. Da<br />sua casa e da sua família fazia<br />parte integrante a C.P. O<br />Entroncamento foi o lugar<br />escolhido para viver, pagar<br />os impostos e esperar, calmamente,<br />o destino eterno.<br />Sabe que no Entroncamento<br />usufrui da qualidade de vida<br />que a cidade oferece e sente<br />também que contribuiu para<br />que a grande riqueza desta<br />terra, o comboio, continuasse<br />a produzir frutos.<br />O sr. Manuel Luís, também<br />conhecido pelo engenhocas,<br />tem 84 anos de boa<br />disposição e imensas históEntroncamento,<br />o comboio, a terra e os homens 85<br />rias. Foi ferreiro em Valhascos,<br />Sardoal. Na CP correu<br />os postos iniciais, passou<br />a serralheiro, a serralheiro<br />mecânico, operador de ultra<br />sons e reformou-se como<br />Chefe de Brigada. Acha que<br />tem esta idade e esta genica<br />por ter sempre gostado<br />de trabalhar na CP e de se<br />deslocar sempre de bicicleta.<br />O trabalho acrescentoulhe<br />anos de vida e prazer de<br />viver.<br />O Sr. Henrique Torres<br />Pina entrou na CP em 1948,<br />como operário torneiro. Foi<br />subindo a pulso até chegar<br />a contramestre, concorreu,<br />por convite, ao Departamento<br />de Aprovisionamento,<br />como inspector<br />de qualidade de materiais,<br />que consistia em frequentar<br />fábricas fornecedoras<br />da CP, tanto no País como<br />no estrangeiro para assistir<br />aos vários ensaios impostos<br />pelo UIC. Ensaios destrutivos<br />(tracção, choque, dobragem,<br />resiliência, dureza). E<br />não destrutivos (ultra sons).<br />Gostou sempre de trabalhar<br />na CP.<br />O sr. José Joaquim Cipriano,<br />nascido em 16 de<br />Fevereiro de 1923, continua<br />rijo e com uma memória<br />prodigiosa. O seu bisavô<br />foi mestre Alfaro, mestre da<br />Oficina, pessoa ainda hoje<br />muito falada devido ao seu<br />saber e profissionalismo.<br />Um dos filhos, também ferroviário,<br />Olíndio da Silva<br />Alfaro era avô do sr. Cipriano.<br />A Companhia Portuguesa<br />está-lhes no sangue. O<br />sr. José Joaquim Cipriano<br />entrou para a CP como serralheiro<br />de sexta. Ganhava<br />14$40, o que equivale, nos<br />nossos dias, a 7 cêntimos.<br />Foi reformado como Inspector<br />de Tracção. O amor<br />pela CP continua toda a<br />86 Cunha Simões<br />vida. Tem em casa um interessante<br />museu ferroviário<br />com que mata a saudade de<br />uma vida cheia de trabalho<br />e de satisfação pelo dever<br />cumprido.<br />O Sr. Manuel José Sequeira<br />Anita já apanhou a<br />CP depois do 25 de Abril.<br />Tinha regressado de França<br />cheio de vontade para dar o<br />melhor pelo seu País. Mas<br />achou que houve anos de<br />estagnação. Achava que na<br />CP se tinha deixado de dar<br />rendimento. A chefia não<br />dava luta. Parecia que tinha<br />medo de mandar. Ficavam<br />meses à espera de material<br />para reparação quando em<br />toda a Europa, meter material<br />novo ficava mais barato<br />e poupava-se tempo. Suspirando,<br />desabafou: “não há<br />aprendizagem sem disciplina”.<br />O Sr. Deuclides Pedroso<br />Ferreira foi Topógrafo da<br />CP, fez-me uma descrição,<br />ao pormenor, das ruas e do<br />crescimento deste lugar encantatório.<br />O País encolheu em tamanho,<br />mas os homens e<br />as mulheres portuguesas<br />sabem quanto valem e que<br />podem atingir todo o sucesso<br />que pretenderem se nunca<br />vergarem, se estudarem<br />e mandarem os filhos estudar.<br />Os portugueses são feitos<br />desta fibra. Amam e respeitam<br />quem os trata bem, lhes<br />exige trabalho, mas os compensam<br />pela sua dedicação,<br />saber e profissionalismo. A<br />CP tem sido um exemplo.<br />Deslumbrar o mundo<br />através da inteligência, da<br />imaginação, do saber e do<br />trabalho é o destino dos<br />portugueses.<br /><br />XIV<br /><br />Este livro tenta ligar o<br />Entroncamento à história<br />do momento em que ele se<br />desenvolve, e ver que essa<br />história só pode ser contada<br />através dos verdadeiros heróis<br />que são os trabalhadores,<br />neste caso os ferroviários.<br />Pena temos nós de não<br />poder inscrever o nome de<br />todos esses heróis que são<br />um verdadeiro exemplo de<br />força de vontade, inteligência<br />e amor ao trabalho.<br />O Entroncamento concelho,<br />também ele ganhou,<br />por mérito e com muito esforço<br />o direito ao amor de<br />todos aqueles que aqui habitam.<br />Muitos, muitíssimos<br />confundem-se com a terra.<br />No Entroncamento existiam<br />umas 16 oficinas com<br />grandes contramestres, gente<br />dedicada, com gosto pelo<br />trabalho. Eles próprios ficavam<br />deslumbrados com<br />o que faziam e que nunca<br />tinham pensado ser capazes<br />de fazer. Afinal, as suas capacidades<br />eram respeitadas,<br />louvadas e admiradas pelos<br />superiores. Muitos dos contramestres<br />tinham aprendido<br />tudo quanto sabiam na CP<br />e acabaram quase todos no<br />topo da carreira. Ninguém<br />os impediu de subir desde<br />que mostrassem aptidão e<br />interesse pelo trabalho que<br />lhes estava confiado.<br />A escola de aprendizagem<br />onde começaram era<br />superior a uma universidade.<br />Uma universidade que<br />aceitava homens com poucas<br />letras, mas muita habilidade<br />e muita vontade. Dali<br />saíam verdadeiros especialistas<br />que montavam e desmontavam<br />totalmente uma<br />88 Cunha Simões<br />locomotiva a carvão, lhe<br />torneavam os eixos, frezavam,<br />moldavam. Faziam de<br />tudo. Muitos trabalhavam e<br />estudavam para fazer o exame<br />da terceira e quarta classe.<br />Outros continuavam os<br />estudos porque descobriam<br />que a sua inteligência era<br />igual à dos superiores, bastava-<br />lhes afiná-la.<br />O sentido da responsabilidade<br />e o orgulho de proceder<br />bem era o seu código de<br />honra.<br />A quase totalidade destes<br />homens não teve lugar na<br />história. Não andaram a matar<br />outros, não destruíram,<br />não ganharam medalhas<br />por actos heróicos de grande<br />destruição. Estes homens<br />construíram, desenvolveram,<br />fizeram o progresso do<br />Entroncamento, enriqueceram<br />Portugal, mas ninguém<br />se lembrou de os mencionar<br />como exemplo.<br />O Entroncamento manteve,<br />respeitou e respeita todos<br />estes homens que lutaram<br />pela paz e pela comodidade<br />dos outros. Eles nunca<br />se recusaram ao trabalho<br />e aos sacrifícios para bem<br />servir os seus concidadãos.<br />A C.P foi a única que os<br />acarinhou: compensou-os,<br />pagou-lhes. Eles, sempre<br />muito poupados, fugiram<br />das dificuldades, construíram<br />as suas casas e prepararam<br />a velhice.<br />A estes homens só lhes<br />faltou, e eles nunca o reivindicaram,<br />o reconhecimento<br />que merecem. É tempo de<br />o fazer, naturalmente, misturando<br />esta terra e um ou<br />outro trabalhador, que com<br />o seu trabalho, no entroncamento<br />inicial, ao Entroncamento<br />trouxesse e levasse<br />riqueza e a espalhasse pelo<br />País fora, mas sempre aqui<br />enterrando as raízes.<br />A Câmara Municipal do<br />Entroncamento pensou em<br />homenagear estes construtores<br />de pontos de ligação<br />e desta cidade construindo<br />um monumento ao trabalhador<br />ferroviário e colocandoo<br />no coração da cidade. Na<br />Praça da República. Nada<br />de mais justo.<br />Se compulsarem todos<br />os números da Revista da<br />Associação de Amigos do<br />Museu Nacional Ferroviário,<br />“O Foguete” encontrarão<br />aí histórias fabulosas<br />de homens e máquinas. O<br />entendimento é perfeito e a<br />naturalidade como são relatados<br />os factos aumenta<br />o gosto por esta terra e pelos<br />homens que lhe deram<br />vida.<br /><br />XV<br /><br />Em 1946, o concelho do<br />Entroncamento já tem 8 mil<br />habitantes e 3 mil fogos.<br />O comércio e indústria<br />têm um desenvolvimento<br />rápido. Além dos ferroviários,<br />o Entroncamento<br />continua a ser um lugar de<br />passagem para milhares de<br />militares, o que dá à terra<br />um movimento inusitado.<br />Aparece por esta época o<br />Colégio Mouzinho de Albuquerque<br />onde são ministrados<br />o Curso Industrial de 5<br />anos. O Curso Comercial de<br />4 anos e o Curso Geral dos<br />Liceus de 7 anos. O Curso<br />Industrial era essencialmente<br />prático. Os alunos saíam<br />muitíssimo bem preparados.<br />Os alicerces, quase diria,<br />os carris, em que o Presidente<br />da Junta de Freguesia,<br />José Duarte Coelho, tinha<br />começado a consolidar<br />o pequeno lugarejo tinham<br />dado tantos e tão saborosos<br />rendimentos que todo o País<br />conhecia o Entroncamento,<br />mesmo sem por aqui terem<br />passado.<br />Na passagem de testemunho,<br />quando o concelho foi<br />criado, José Duarte Coelho,<br />entregou o honroso cargo<br />de Presidente de Câmara ao<br />empresário Jacinto Marques<br />Agostinho.<br />Veja-se<br />a delicadeza<br />do gesto;<br />quando<br />por outras<br />terras e nas lutas políticas,<br />cada um se arroga ser melhor<br />que o outro, e só não<br />se matam porque a Europa<br />chama constantemente a<br />atenção para a democracia<br />que não evita o insulto e o<br />enxovalho, no Entroncamento,<br />um homem simples<br />despoja-se do cargo e entrega-<br />o. Desta maneira sacode<br />os invejosos que, por<br />frustração, por não terem<br />conseguido os seus objectivos<br />na vida, se afadigam a<br />apoucar o trabalho de quem<br />apresenta obra a favor de<br />toda a comunidade.<br />José Duarte Coelho largou<br />o lugar que lhe pertencia<br />por direito próprio, dando<br />assim mais um exemplo<br />de que esta terra é especial.<br />Aqui, a importância de<br />cada um está no que sabe<br />e na saudação que não se<br />nega a ninguém. Aqui, o desenvolvimento<br />é feito sem<br />grandes sobressaltos.<br />Jacinto Marques Agostinho<br />aposta na economia.<br />Desenvolvem-se as serrações<br />de madeira, as fábricas<br />de pimentão, as destilarias,<br />as fábricas de vinagre, as<br />fábricas de cortiça, as fábricas<br />de curtumes. A C.P<br />tem cada vez mais material<br />circulante; aumentam<br />as oficinas de montagem e<br />de reparação para todas as<br />composições.<br />O movimento era muito<br />intenso nas vias porquê?<br />Temos de nos lembrar que<br />até 1960-65 eram usadas as<br />deslumbrantes máquinas a<br />vapor e que, apesar do seu<br />tamanho e peso, tinham<br />pouca força, mesmo que fossem<br />muito bem alimentadas<br />a carvão ou a lenha. Elas<br />viam-se aflitas para puxar<br />quatro ou cinco carruagens,<br />ou meia dúzia de vagões. As<br />infelizes deitavam os bofes<br />92 Cunha Simões<br />de fora e às vezes as tripas.<br />Não raro rebentava uma ou<br />outra peça quando o esforço<br />era exagerado. Os fogueiros<br />e os maquinistas eram sacrificadíssimos!<br />Os senhores Manuel Paulino<br />e António Aguiar Esteves,<br />que antes de passarem<br />a maquinistas foram fogueiros,<br />contaram-me que passaram<br />verdadeiros dramas,<br />mas dos quais, hoje, já têm<br />saudades.<br />Se nós pensarmos que<br />uma máquina do Entroncamento<br />até Castelo Branco<br />chegava a gastar um vagão<br />de carvão, já podemos imaginar<br />o esforço que o fogueiro<br />tinha de fazer para ir<br />alimentando constantemente<br />a fornalha.<br />O Senhor Manuel Paulino<br />contou-me que, às vezes,<br />o carvão para colocar<br />no “Tender” não chegava e<br />era completado com mais<br />algum que tinha de ser carregado,<br />em canastras, à cabeça.<br />Se nos dias normais<br />era mau, quando chovia, o<br />fogueiro, ficava mais preto<br />que um tição. Ficava mascarrado<br />da cabeça aos pés.<br />Era carregar o carvão, era<br />meter água, era alimentar<br />constantemente a caldeira.<br />Isto, cinco ou seis dias por<br />semana e entre 12 a 16 horas<br />de trabalho por dia. Muitas<br />vezes tinham de dormir no<br />“Tender” porque os locais<br />onde iam descarregar não<br />tinham alojamentos.<br />O senhor António Esteves<br />que também foi limpador<br />de máquinas, antes de<br />passar a maquinista, disse<br />-me que o que lhe custava<br />mais era “limpar o fogo”<br />quando tinha de tirar a jorra<br />para meter carvão novo.<br />Mas estes trabalhadores incansáveis<br />recebiam a compensação<br />no regresso ao lar.<br />As mulheres tinham de os<br />meter na barrela como se<br />fazia à roupa.<br />No Entroncamento a CP<br />tinha muito boas casas para<br />os ferroviários deslocados.<br />A casa enorme e confortável,<br />que ainda existe,<br />tinha mesmo uma mulher<br />de limpeza que arrumava os<br />quartos, mudava os lençóis<br />e deixava tudo impecável<br />para os seguintes. Por todo<br />o País e nas estações terminais<br />a CP passou a ter dormitórios.<br />Hoje prefere que<br />os ferroviários, em deslocação<br />de serviço, durmam em<br />hotéis ou residenciais.<br />Mas nada melhor do que<br />o regresso a casa, passados<br />dias, e o encontro com<br />a mulher. O fogo do amor<br />era mais intenso. O Entroncamento<br />aumentou rapidamente<br />a população, os divórcios<br />não existiam, a harmonia<br />familiar era consistente<br />e os filhos compreendiam<br />e valorizavam a coragem<br />dos pais. Muitos deles são<br />engenheiros, economistas,<br />médicos, professores, enfermeiros,<br />construtores de<br />empresas e de cidades. Os<br />pais e a cidade deram-lhes<br />todas as condições para estudarem.<br />Ainda hoje, o Entroncamento,<br />é a terra de maior<br />índice de natalidade porque<br />94 Cunha Simões<br />a qualidade de vida é excelente<br />e as pessoas estão confiantes<br />no futuro.<br />No Entroncamento não<br />há analfabetos. Até os que<br />para aqui vinham, com poucas<br />ou nenhumas letras,<br />acabavam por ir estudar<br />para a escola Camões, que<br />foi sempre a mais avançada<br />da Península Ibérica. Foi-o<br />na primeira fase e durante<br />muitos anos, como escola<br />primária. Quando passou<br />a Escola Industrial formou<br />imensos técnicos de capacidades<br />superiores. Pediam<br />meças a qualquer engenheiro<br />espanhol, francês, inglês<br />ou alemão. O valor, que<br />muitas vezes nós aqui, em<br />Portugal, não lhes damos, é<br />os outros que lho atribuem.<br />Recordo-me que por volta<br />de 1959, quando trabalhei<br />no Consulado de Portugal<br />em Paris, nessa altura instalado<br />na avenue Kléber, o<br />vice-cônsul, João Carvalho<br />da Silva, me apresentou um<br />ex-trabalhador da CP, daqui<br />do Entroncamento, julgo<br />que se chamava Geraldes,<br />que tinha estado na secção<br />de serralharia e que inventara<br />uma chave especial, patenteada<br />pela fábrica francesa<br />para que trabalhara.<br />Foi bem compensado pelo<br />invento. Ele não se cansava<br />de dizer que tudo o que<br />sabia o devia às oficinas da<br />CP no Entroncamento.<br />Esta cidade foi sempre<br />uma escola. O ensino e as<br />regras que norteavam a CP<br />e os seus funcionários eram<br />exemplares. Tanto os funcionários<br />como os filhos<br />intuíram que quanto mais<br />estudassem mais a vida se<br />lhes tornaria fácil. Foi o<br />que fizeram. Hoje não há<br />nenhum que não esteja bem<br />instalado na vida.<br />Na Primeira República<br />houve alguns problemas,<br />bastante graves, entre os<br />ferroviários, mais os do sul<br />do que os daqui do Entroncamento,<br />mas entre 1928 e<br />1991 só me consta um protesto,<br />por volta de 1961 ou<br />1962, durante 24 horas de<br />fumo preto no braço esquerdo<br />por aumento salarial.<br />Durante todos estes anos os<br />ferroviários também pouco<br />foram incomodados pela<br />PIDE. Mesmo nesse dia<br />quando procuraram saber o<br />que se passava, o engenheiro<br />Franklim Torres impediuos<br />de entrar no seu gabinete.<br />Disse-lhes que o assunto era<br />entre ele e os trabalhadores.<br />O problema morreu ali.<br /><br />XVI<br /><br />O primeiro Presidente de<br />Câmara, passados dois anos,<br />deixou o cargo por motivo<br />de doença. É chamado, outra<br />vez, o Homem que tinha<br />já demonstrado reais qualidades<br />de amor pela terra<br />onde viera trabalhar como<br />ferroviário.<br />José Duarte Coelho, tomou<br />posse do cargo em Novembro<br />de<br />1947 que<br />ocupa até<br />Janeiro de<br />1959, não<br />desiludiu,<br />continuou<br />s i m p l e s<br />como sempre fora e empenhou-<br />se no desenvolvimento<br />planeado.<br />Salazar continuava a governar<br />com muita firmeza.<br />Em 1948 o Professor Adriano<br />Moreira é preso por responsabilizar<br />o Ministro da<br />Guerra pela morte do General<br />Marques Godinho. O<br />padre Abel Varzim é admoesteado<br />por usar um estilo<br />marxista no jornal “O Trabalhador”.<br />No Entroncamento a<br />vida continua sem sobressaltos.<br />O governo difícil de<br />uma pequena terra sempre é<br />mais fácil do que o de um<br />país. Quando em 1949 são<br />eleitos 120 deputados à Assembleia<br />Nacional, disseram-<br />me que ele tinha sido<br />um dos sondados, mas que<br />polidamente recusara dizendo<br />que era mais útil ao<br />Entroncamento.<br />José Duarte Coelho não<br />se mete em políticas de alto<br />gabarito, mas tudo quanto<br />pode aproveitar a bem do<br />Concelho aproveita.<br />Em 1953, Salazar põe em<br />prática os Planos de Fomento<br />e José Duarte Coelho vai<br />sempre sugerindo apoios.<br />Para melhor servir a terra<br />aceita fazer parte da União<br />Nacional. Quanto mais<br />gente do poder conhecesse<br />mais fácil seria tornar o Entroncamento<br />uma grande cidade.<br />Esta visão estratégica<br />tem dado largos frutos até<br />aos dias de hoje.<br />José Duarte Coelho dá<br />prioridade à água com a<br />construção de uma central<br />para captação de águas;<br />a segurança, tanto a nível<br />pessoal como patrimonial.<br />Assim nasce o edifício para<br />um destacamento da PSP e<br />a Corporação dos Bombeiros<br />Voluntários. Aumenta<br />as obras dos esgotos, ultima<br />a construção dos bairros<br />José Frederico Ulrich<br />e Bairro Salazar (mudado<br />98 Cunha Simões<br />depois do 25 de Abril para<br />bairro da Liberdade). Inaugura<br />um Posto Hospitalar e<br />pavimenta muitas ruas cuja<br />necessidade era premente.<br />Com José Duarte Coelho<br />a terra e o Homem andaram<br />sempre de braço dado. Tenho<br />a certeza que mesmo<br />dormindo, os seus sonhos<br />eram sempre: mais Entroncamento,<br />mais Entroncamento.<br />Também eu, quando tinha<br />os meus cinco anos<br />fui com meus pais visitar a<br />Exposição do Mundo Português.<br />Lembro-me perfeitamente<br />quando passei aqui<br />pela primeira vez e que por<br />um feliz acaso, a máquina<br />avariou. Deviam ter avisado<br />que a reparação demoraria<br />pelo menos uma hora.<br />Não me lembro. Achei que<br />foi muito rápido. Aquela<br />paragem foi uma festa.<br />Nunca tinha visto tantas<br />máquinas de um lado para<br />o outro. Aquilo era um sonho:<br />aquele fumo fazia-me<br />imaginar os castelos encantados,<br />cobertos por névoas.<br />E a maneira como elas se<br />moviam? Aquele barulho<br />de ffffff, pouca-terra, fffff.<br />Sei que fomos dormir a Lisboa,<br />em Alcântara, a casa de<br />meu tio, por afinidade, José<br />Caldeira, que era factor da<br />CP. Dormi no quarto do<br />meu primo António. Meu<br />tio, de manhã, disse a meus<br />pais que eu passara a noite a<br />sonhar e a dizer alto: poucaterra,<br />pouca-terra, poucaterra.<br />Com José Duarte Coelho,<br />devia suceder o mesmo. O<br />Entroncamento era a menina<br />dos seus sonhos. Por ela<br />fez tudo quanto sabia e tudo<br />quanto foi capaz.<br />Sucedeu a este incansável<br />Presidente, o senhor<br />Manuel Pedroso Gonçalves.<br />Entroncamento, o comboio, a terra e os homens 99<br />T o m o u<br />posse em<br />12 de Janeiro<br />de<br />1960, era<br />Chefe da<br />Manutenção<br />Militar<br />e professor de matemática<br />no Externato Mouzinho de<br />Albuquerque.<br />Pedroso Gonçalves continuou<br />o projecto de ampliação<br />das escolas, o prolongamento<br />da estrada das<br />Vendas e do Forno do Grilo.<br />Continuou com a política de<br />arruamentos, saneamento e<br />esgotos, que tanto facilita a<br />vida às pessoas.<br />O ano de 1961 foi um<br />ano desgraçado para o Governo<br />do Professor Oliveira<br />Salazar, logo em Janeiro, o<br />comandante Henrique Galvão<br />toma de assalto o paquete<br />“Santa Maria”. Em<br />Fevereiro e Março começam<br />os assaltos às esquadras<br />de polícia em Luanda<br />e os assassínios dos colonos<br />que viviam perto da República<br />do Congo. Em Abril,<br />o General Botelho Moniz,<br />Ministro da Defesa, tenta<br />um Golpe de Estado. A finalizar<br />o ano, fogem presos<br />políticos de Caxias. A<br />Índia ocupa, pela força, os<br />territórios de Goa, Damão<br />e Diu. São presos militantes<br />do PCP por denúncia de<br />um camarada; a PIDE mata,<br />acidentalmente, o escultor<br />José Dias Coelho que tinha<br />pertencido ao MUD Juvenil<br />e ao PCP.<br />Pior ano que o de 61 era<br />difícil de imaginar.<br />No Entroncamento continuava-<br />se a privilegiar o<br />trabalho e o bom senso. Se<br />não se pode caçar com cão,<br />caça-se com gato. Foi o que<br />fez Pedroso Gonçalves. Se<br />o Estado não tinha dinhei100<br />Cunha Simões<br />ro disponível para uma sala<br />de operações e a Câmara<br />também não, havia que usar<br />a inteligência e os conhecimentos.<br />Não esteve com<br />meias medidas, recorreu<br />à Fundação Calouste Gulbenkian.<br />O equipamento<br />necessário foi oferecido.<br />Como Pedroso Gonçalves<br />tivesse pedido exoneração<br />do cargo, substituiu-o o<br />vice-presidente Raul Matos<br />Torres até 1962, que deu<br />continuidade aos trabalhos<br />em andamento.<br />Logo no<br />início de 62<br />toma posse<br />Eugénio<br />Dias Poitout.<br />Na capital<br />do Império os acontecimentos<br />não eram para<br />graças. Os estudantes Universitários<br />fizeram uma série<br />de greves de protesto.<br />Como não parassem com as<br />reivindicações, nada melhor<br />do que lhes dar umas chanfalhadas,<br />tal como ainda se<br />fazia por toda a Europa e se<br />há-de ainda fazer no Maio<br />de 68 em França. Marcello<br />Caetano, reitor da Universidade<br />Clássica de Lisboa<br />demite-se do cargo por discordar<br />de tal procedimento.<br />Poitout só pensa na terra<br />que tinha para governar.<br />Lança-se ao trabalho e faz<br />o prolongamento da estrada<br />que liga as Vendas ao Largo<br />da Estação, manda pavimentar<br />ruas, amplia escolas,<br />aumenta a rede de esgotos,<br />continua a cobertura da Ribeira<br />de Santa Catarina, a<br />qual se passeia calmamente<br />pelo interior desta cidade,<br />mas entubada. Continua o<br />expediente normal de um<br />Presidente de Câmara.<br />Mas Poitout tinha um sonho:<br />uma Escola Técnica. E<br />tanto lutou por ela que em<br />21 de Novembro de 1964 o<br />seu sonho se concretizou.<br />O sonho durou dez anos.<br />O 25 de Abril acabou de<br />forma insensata com todas<br />as Escolas Comerciais<br />e Industriais do País. Um<br />dos grandes motores do desenvolvimento<br />de Portugal<br />parou de funcionar e ainda<br />hoje se vêem os seus nefastos<br />resultados. Esperemos<br />que a demagogia não continue<br />a enganar os que sabem<br />menos e que se deixam ludibriar<br />pelas palavras fluentes<br />daqueles que só pensam nos<br />seus interesses, ou de outros<br />que não têm coragem para<br />dizer não, porque isso lhes<br />pode custar os lugares.<br />Eugénio Poitout depois<br />da Escola lança-se ao trivial;<br />à pavimentação das<br />ruas, à estação depuradora,<br />aos sanitários, à electrificação<br />da Zona Verde, à construção<br />das mais diversas infra-<br />estruturas e ao viaduto<br />que liga a zona norte à sul.<br />Em Janeiro de 1974, Eugénio<br />Poitout passou testemunho<br />a Fernando Gomes<br />dos Santos.<br />Q u a n d o<br />Gomes dos<br />Santos já<br />tinha gizado<br />o Plano<br />Municipal;<br />a abertura<br />102 Cunha Simões<br />da Avenida da Estação, a<br />reparação e conservação de<br />rodovias, a electrificação<br />de ruas e praças, o abastecimento<br />de água ao Forno<br />do Grilo, a primeira fase<br />da construção do mercado<br />novo, a preparação para as<br />expropriações de terrenos<br />para localizar a feira do<br />gado, a construção de uma<br />estação depuradora de esgotos<br />e um projecto para<br />um parque no Bonito, veio a<br />Revolução do 25 de Abril e<br />tudo se complicou. De cada<br />cabeça vinha sua sentença e<br />toda a gente se dizia democrática<br />como se nesta terra<br />alguém o não fosse.<br />A democracia não se<br />apregoa. Pratica-se. São os<br />actos das pessoas que contam.<br /><br />XVII<br /><br />Depois do vitorioso Pronunciamento<br />Militar a que,<br />encomiasticamente foi dado<br />o nome de Revolução, a<br />vida no Entroncamento não<br />mudou em nada. Não houve<br />nem festejos nem manifestações<br />de regozijo ou desagrado.<br />A vida continuou<br />como sempre.<br />A democracia tinha chegado<br />ao Entroncamento por<br />volta de 1858 ou 59 com o<br />assentamento dos primeiros<br />carris. A partir desse momento<br />e até aos dias de hoje,<br />munícipes e autarcas souberam<br />respeitar-se e conviver<br />em verdadeira democracia.<br />É tanto assim que quase<br />todos os autarcas saíram dos<br />quadros dos trabalhadores.<br />Daqueles que sabem o que<br />é comer o pão com o suor<br />do rosto. É tanto assim que<br />o Professor José Francisco<br />Corujo, homem impoluto,<br />professor exemplar e que tinha<br />sido Juiz de Paz e Delegado<br />da Legião Portuguesa,<br />nunca escondeu esse facto<br />e à entrada da sua pequena<br />e modesta casa, na rua da<br />Igreja, pendurou a farda por<br />baixo de um retrato que o<br />mostrava fardado. Isto vem<br />relatado no suplemento nº<br />885 de “O Entroncamento”.<br />Na verdade, isso não fazia<br />dele menos democrata, já<br />que depois da revolução to104<br />Cunha Simões<br />dos se assumiam como democratas.<br />Ser democrata é<br />o que todos os portugueses<br />sempre foram sem o saber.<br />Também não sabiam o que<br />era a ditadura nem o fascismo<br />porque ninguém falava<br />no assunto. Só alguns comunistas<br />é que sabiam o que<br />era, mas como eram poucos<br />ninguém dava por eles. Nem<br />eles tinham coragem para se<br />mostrar, porque constava, e<br />era verdade, que o comunista<br />José Estaline tinha mandado<br />matar três milhões de<br />camaradas. Ser democrata é<br />ser leal para com os outros,<br />é ser solidário, é ser igual,<br />é ser fraterno e o Professor<br />José Francisco Corujo sempre<br />o fora, com aquela farda<br />ou sem ela, com o outro regime<br />ou com este.<br />No Entroncamento nunca<br />ninguém foi imposto.<br />Houve escolhas que todos<br />aceitaram e gostaram. Respeitaram<br />quem mandava<br />e não se deram mal. Compulse-<br />se todos os dirigentes<br />desde José Duarte Coelho,<br />Jacinto Marques Agostinho,<br />Manuel Pedroso Gonçalves,<br />Eugénio Dias Poitout, Fernando<br />Gomes Santos, Carlos<br />Pereira Lucas, António<br />Augusto Pereira Cardoso,<br />Afonso Serrão Lopes, Manuel<br />Fanha Vieira, José Pereira<br />da Cunha e Jaime Ramos.<br />Vejam-se quais são os<br />seus pergaminhos: trabalho,<br />honestidade e respeito pelos<br />bens públicos.<br />A democracia baseia-se<br />nos princípios de igualdade<br />e liberdade. No Entroncamento<br />não me consta que<br />desde o carrear do primeiro<br />material, ao assentar do<br />primeiro carril até aos dias<br />de hoje alguém tenha sido<br />privado de liberdade por dizer<br />e fazer o que lhe apetece<br />desde que não prejudique os<br />Entroncamento, o comboio, a terra e os homens 105<br />outros. Quanto a igualdade,<br />esta terra nunca teve bitolas<br />diferentes. Todos se respeitam<br />e acatam as ordens e as<br />ideias de quem chefia e de<br />quem sabe mais.<br />Fora do trabalho o nivelamento<br />é perfeito.<br />Mas revolução é revolução<br />e neste caso os revolucionários<br />que deviam saber<br />tanto de administração autárquica<br />como de chinês,<br />nada mais fizeram que paralisar<br />o que estava em andamento.<br />Felizmente que<br />os entroncamentenses são<br />pouco dados a deslumbramentos.<br />Sabiam o que pretendiam.<br />Ouviram, disseram<br />que sim e fizeram como<br />entenderam. Nisto perdeuse<br />imenso<br />tempo. Por<br />fim foi eleito<br />para presidir<br />à Comissão<br />Administrativa,<br />Carlos Pereira Lucas<br />que teve o apoio do anterior<br />presidente Fernando Gomes<br />dos Santos e de Joaquim<br />Ferreira Purgatório Júnior.<br />Carlos Pereira Lucas<br />continuou o que já estava<br />em andamento, concluiu<br />a estrada dos Foros da Lameira,<br />saneou e pavimentou<br />no Alto da Sobreira, pavimentou<br />e fez as infra-estruturas<br />na rua do cemitério,<br />pavimentou a rua D. Pedro<br />V e deitou mãos aos problemas<br />dos retornados e dos<br />mais carentes realojando-os<br />em casas pré-fabricadas no<br />Bairro Eng. José Frederico<br />Ulrich.<br />Entre a formação da Comissão<br />Executiva e as próximas<br />eleições Autárquicas<br />o que se passa no País?<br />Depois da euforia inicial<br />entrou-se no caos. Cada<br />um a puxar para seu lado.<br />As greves eram gerais. O<br />povo não compreendeu que<br />era o maior prejudicado. O<br />Entroncamento manteve-se<br />calmo. Continuou o seu trabalho.<br />A descolonização foi<br />vergonhosa por incapacidade<br />governativa. Centenas de<br />milhares de pessoas foram<br />prejudicadas. A confusão é<br />geral. Ninguém se respeita.<br />Nas escolas é a balbúrdia.<br />Acabam as Escolas Comerciais<br />e Industriais. Os<br />trabalhadores só ouviam os<br />demagogos apregoar mentiras<br />e tantas vezes essas<br />mentiras eram repetidas e<br />misturadas com um mínimo<br />de verdade que os mais estúpidos<br />acreditavam nelas.<br />Convenceram-se que liberdade<br />era só trabalhar quando<br />entendessem. Naquelas<br />cabeças deviam pensar que<br />depois da revolução o trabalho<br />aparecia feito por milagre.<br />Resultado: muitos suicidaram-<br />se por vergonha e<br />por nada terem para comer.<br />No Entroncamento reina<br />a paz e a inteligência. Esta<br />terra não corre a foguetes.<br />O PREC (Processo Revolucionário<br />em Curso) é<br />liderado pela inconsciência<br />e por muitos oportunistas<br />que hoje estão multimilionários.<br />Os outros que eles<br />diziam defender ou morreram<br />ou continuam com uma<br />mão à frente e outra atrás<br />das costas.<br />No Entroncamento as<br />pessoas foram progredindo<br />naturalmente. A vila não parou,<br />mas abanou. Uns tantos<br />arrivistas, auto denominando-<br />se democratas, como se<br />isso lhes desse direito a fazer<br />toda a casta de atropelos,<br />tentaram por todos os meios<br />apagar o nome do Homem<br />que tinha dado tudo por esta<br />terra. Felizmente que os entroncamentenses<br />impediram<br />esta insânia e José Duarte<br />Coelho continua a figurar<br />não só na toponímia do Largo<br />onde tem o nome, mas<br />ainda no coração de todos,<br />que lhe agradecem a luta<br />que travou, sempre com inteligência<br />e prudência, para<br />alcançar a dignidade a que o<br />Entroncamento tem direito.<br />O descrédito internacional<br />é enorme. Comunistas e<br />socialistas por pouco não se<br />desfazem uns aos outros. O<br />1º de Maio de 1975 esteve a<br />pontos de tudo fazer explodir.<br />A insegurança é geral.<br />Vasco Gonçalves resolve<br />alargar os cordões à bolsa<br />e há um aumento geral de<br />salários. Um aumento significativo.<br />Mas a proporção<br />entre os salários ficou de 3<br />para 9. A classe trabalhadora<br />ficou contente, nem se<br />apercebeu da desproporção.<br />Os trabalhadores da CP no<br />Entroncamento ficaram gratos<br />ao homem. Quem está<br />habituado a ganhar pouco,<br />facilmente se contenta e<br />não pergunta quanto é que<br />os outros ficam a ganhar.<br />A luta surda continua. O<br />Governo declara-se incapaz<br />de governar, a confusão<br />atinge o clímax e só uma<br />acção armada em 25 de Novembro<br />de 1975 põe fim aos<br />exageros e à perigosa ignorância<br />de uns tantos inconscientes.<br />Em 31 de Dezembro de<br />1975 é criado o (CADE)<br />Clube Amador de Desportos<br />do Entroncamento.<br />O ano de 1976 foi de<br />pacificação. Fizeram-se as<br />eleições para a Presidência<br />da República. A 25 de Abril<br />realizaram-se para a Assembleia<br />Legislativa.<br />E nas eleições Autárquicas<br />no Entroncamento, o<br />que acontece em Dezembro<br />de 1976?<br />Foi eleito Presidente da<br />108 Cunha Simões<br />Câmara António<br />Augusto<br />Pereira<br />Cardoso que<br />governou durante<br />pouco<br />mais de um<br />ano, mesmo<br />assim deixou obra.<br />Continuou a pavimentação<br />das ruas, o saneamento<br />básico. A construção das<br />infra-estruturas da zona<br />envolvente ao novo mercado,<br />a instalação de um<br />novo posto de transformação<br />para fornecer energia à<br />zona envolvente ao Largo<br />24 de Novembro. Concluiu<br />a 2ª fase do prolongamento<br />da Avenida da Estação. Fez<br />expropriações de terrenos<br />no Casal da Galharda. Programou<br />o Plano de Pormenor<br />de Urbanização da zona<br />entre as ruas Elias Garcia,<br />Verdades de Miranda, Gonçalo<br />Mendes da Maia e a 1º<br />de Maio.<br />Consciente de que o estudo<br />é o segredo do sucesso,<br />aumenta o prémio para os<br />melhores alunos e imagina<br />um Plano de Construções<br />Escolares para o ensino Básico.<br />Em Setembro de 1978<br />assume a Presidência da<br />Câmara, mais um funcionário<br />da C.P; Afonso Serrão<br />Lopes.<br />S e r r ã o<br />Lopes sabe<br />o que é a<br />ordem, a<br />gestão e o<br />t r a b a l h o .<br />Tal como alguns dos seus<br />antecessores tinha sido funcionário<br />da CP; maquinista,<br />inspector de tracção e Chefe<br />de Depósito.<br />A qualidade de vida é<br />fundamental e para que ela<br />seja plena é indispensável<br />que os movimentos de<br />Entroncamento, o comboio, a terra e os homens 109<br />comboios sejam compensados<br />com a purificação do<br />ar. Imediatamente manda<br />colocar árvores em diversos<br />pontos da cidade, como se<br />desse modo quisesse reforçar<br />os pulmões deste Entroncamento<br />de muitas vidas.<br />Acaba a terceira fase da<br />Avenida da Estação, alarga<br />a rua Joaquim Estrela Teriaga,<br />pavimenta a rua 5 de<br />Outubro, remodela a rede de<br />esgotos e repara a Estação<br />de Tratamentos. Trata dos<br />arranjos no Parque do Bonito<br />onde adquire mais 10<br />mil metros quadrados, manda<br />arranjar o jardim público<br />da Zona Verde, faz obras no<br />Mercado Municipal.<br />Para que o trabalho nunca<br />falte incentiva o desenvolvimento<br />Industrial. Executa<br />o Plano de Pormenor e<br />o estudo económico para a<br />Zona Industrial.<br />Consciente da força do<br />ensino não o descura e são<br />criadas 7 salas para a Pré-<br />Primária e 2 salas para a<br />Primária. Trata de adaptar<br />novas salas para o funcionamento<br />da Biblioteca. Recupera<br />o campo de futebol.<br />Talvez por excesso de<br />trabalho, ou cansaço, manda,<br />inexplicavelmente, destruir<br />o belo chafariz que se<br />encontrava no Largo José<br />Duarte Coelho; o Chafariz<br />do Bairro Camões e o artístico<br />Lampião, apagando,<br />deste modo, algumas das<br />memórias colectivas deste<br />povo. E não destruiu o chafariz<br />das Vaginhas, projecto<br />de Cottinelli Telmo, porque<br />o povo se opôs a que o fizesse.<br />O Pres<br />i d e n t e<br />seguinte,<br />entre 1983<br />e 1986, foi<br />o senhor<br />110 Cunha Simões<br />Manuel Fanha Vieira, filho<br />de ferroviário, mas ele próprio<br />Técnico Oficial de Contas.<br />Habituado a lidar com<br />os números soube-os aproveitar<br />bastante bem. Isso<br />constata-se pelos dinheiros,<br />a fundo perdido, que trouxe<br />para a autarquia e a aplicação<br />rigorosa que fez deles.<br />Elaborou o Plano Geral de<br />Urbanização (PGU), algo<br />de raro no país. Lançou<br />depois mãos na ampliação<br />e remodelação da rede de<br />água. Ampliou a Estação<br />de Tratamento de Esgotos<br />domésticos. Pôs em marcha<br />os projectos para a recuperação<br />do Mercado Antigo,<br />para a primeira piscina coberta,<br />para o alargamento<br />da estrada das Vendas assim<br />como o alargamento da Rua<br />D. Pedro V com a ligação a<br />esta mesma estrada. Pensase,<br />mais uma vez, no Museu<br />dos Caminhos-de-ferro.<br />Através dos Serviços Técnicos<br />da Câmara Municipal<br />foram elaborados os projectos<br />determinados para a<br />Junta de Freguesia, Biblioteca,<br />Delegação Escolar, arranjos<br />exteriores do Bairro<br />da Coferpor, infra-estruturas<br />da Zona Industrial, nó<br />de ligação da Zona Industrial<br />à Estrada Nacional nº3;<br />revisão do Plano Geral de<br />Urbanização e rede de esgotos<br />domésticos da Avenida<br />da Estação. Fez o Estudo<br />Prévio para a zona desportiva<br />do Parque do Bonito e o<br />Estudo de Ordenamento de<br />Tráfego.<br />São implementados os<br />serviços da Conservatória e<br />da Comarca. O Jardim-escola<br />da Fábrica da Igreja e o<br />Pavilhão dos Bombeiros.<br />Foi também no mandato<br />do senhor Manuel Fanha<br />que toda a zona fronteira à<br />Estação começa a ganhar a<br />força e a beleza que nos dias<br />de hoje já apresenta, depois<br />de algumas remodelações.<br />Ao progresso e ao futuro<br />teve de ser sacrificado o<br />Prédio Paris, que além de<br />condicionar todo o desenvolvimento<br />da parte mais<br />nobre da cidade, estava<br />num estado de degradação<br />muito difícil de recuperar.<br />Entre paralisar o desenvolvimento<br />da cidade e tomar<br />uma decisão difícil, Manuel<br />Fanha teve de optar. Se os<br />governantes assim não fizessem,<br />depois de ponderadas<br />todas as opções, ainda<br />hoje estávamos na Idade da<br />Pedra.<br />Se fossemos um país<br />muito rico aquilo que faríamos<br />era desmontar a casa<br />e colocá-la noutro local. Infelizmente<br />não somos, e entre<br />beneficiar a população<br />ou sacrificar uma casa emblemática,<br />mas que era impeditiva<br />do progresso e da<br />qualidade de vida de uma<br />população, optou-se pela<br />primeira hipótese.<br />É também durante o mandato<br />do Presidente Manuel<br />Fanha que Portugal entra na<br />CEE. Hoje União Europeia.<br />Portugal ainda continua<br />muito cambaleante. Ramalho<br />Eanes, mais uma vez<br />dissolve a Assembleia da<br />República, o que para além<br />de atrasar tudo no país,<br />afecta de sobremaneira os<br />mandatos dos Presidentes<br />de Câmara.<br />Em 1 de Novembro de<br />1985 é criado o (CLAC)<br />Clube de Lazer, Aventura e<br />Competição.<br />Entre 1986 até 2001 esteve<br />à frente<br />da autarquia<br />o senhor José<br />Pereira da<br />Cunha, ferroviário<br />e filho<br />e neto de ferroviários. Durante<br />o seu longo mandato,<br />o Entroncamento avançou<br />na mesma proporção. Ele<br />soube aproveitar os Fundos<br />de Equilíbrio Financeiro e<br />as receitas próprias da autarquia.<br />Há também um período<br />de estabilidade devido<br />ao melhor entendimento<br />entre o Presidente da República,<br />Mário Soares e o<br />Primeiro-ministro, Cavaco<br />Silva. Todas as áreas foram<br />beneficiadas, o Ensino, a<br />Saúde, a Segurança Social,<br />a Justiça, o Saneamento Básico,<br />Estradas, Caminhos,<br />a Cultura, o Turismo, os<br />Tempos livres, o Desporto.<br />A qualidade de vida melhorou.<br />São inaugurados o<br />magnífico Lar dos Ferroviários<br />e o Centro de Convívio<br />da Terceira Idade.<br />Pereira da Cunha fez geminações<br />do Entroncamento<br />com Penafiel, Villiers-<br />Sur-Marne e Mosteiros na<br />Ilha do Fogo, Cabo Verde.<br />Foi durante os mandatos<br />do autarca José Cunha,<br />como simpaticamente era<br />tratado, que a Câmara do<br />Entroncamento e a EPAL<br />fizeram que a cidade tivesse<br />água em quantidade e qualidade.<br />O abastecimento e armazenamento<br />contou com<br />dois grandes depósitos na<br />zona norte. Fez uma estação<br />elevatória de esgotos e tratamento<br />de águas residuais.<br />Para os resíduos sólidos foi<br />construído um Aterro Sanitário,<br />em colaboração com<br />a Câmara da Barquinha. É<br />dado seguimento à construção<br />da Conservatória e<br />do Tribunal. São construídos<br />64 fogos de habitação<br />Portugal parece ter, finalmente,<br />entrado no ritmo<br />Europeu. Em 1996 é eleito<br />Jorge Sampaio. O Banco<br />Central Europeu passa<br />a controlar a emissão das<br />notas em todos os Estados<br />Membros.<br />Em 1998 Portugal realiza<br />a última exposição do milénio.<br />Saramago recebe o Prémio<br />Nobel. A moeda muda<br />de cara e passa a chamarse<br />Euro, que fica comum a<br />Portugal, Espanha, Itália,<br />Grécia, França, Alemanha,<br />Áustria, Bélgica, Holanda,<br />Luxemburgo, Irlanda e Finlândia.<br />Em finais de 2001, o<br />Primeiro-ministro António<br />Guterres demite-se porque<br />está convencido que o país<br />caminha para o descalabro<br />e ele sente-se incapaz de resolver<br />a situação.<br />No Entroncamento realizam-<br />se eleições autárquicas.<br />O novo Presidente<br />social. O Centro Cultural é<br />transformado e inaugurado.<br />Por mérito, o Entroncamento<br />foi elevado a cidade. Depois<br />veio o Pavilhão Gimnodesportivo<br />e as Piscinas.<br />Inicia a Passagem Inferior.<br />Dá mais alguns passos para<br />a implantação do Museu<br />Ferroviário<br />Durante o mandato de<br />José Pereira da Cunha, o<br />País assistiu à condenação<br />de Otelo a 15 anos de cadeia<br />por pertencer às FP 25<br />de Abril, as quais tinham<br />cometido atentados, assaltos<br />e algumas mortes.Portugal parece ter, finalmente,<br />entrado no ritmo<br />Europeu. Em 1996 é eleito<br />Jorge Sampaio. O Banco<br />Central Europeu passa<br />a controlar a emissão das<br />notas em todos os Estados<br />Membros.<br />Em 1998 Portugal realiza<br />a última exposição do milénio.<br />Saramago recebe o Prémio<br />Nobel. A moeda muda<br />de cara e passa a chamarse<br />Euro, que fica comum a<br />Portugal, Espanha, Itália,<br />Grécia, França, Alemanha,<br />Áustria, Bélgica, Holanda,<br />Luxemburgo, Irlanda e Finlândia.<br />Em finais de 2001, o<br />Primeiro-ministro António<br />Guterres demite-se porque<br />está convencido que o país<br />caminha para o descalabro<br />e ele sente-se incapaz de resolver<br />a situação.<br />No Entroncamento realizam-<br />se eleições autárquicas.<br />O novo de Câmara é<br />Jaime Ramos;<br />bancário, mas<br />filho de ferroviário.<br />Homem<br />dinâmico e,<br />atento ao evoluir<br />do mundo<br />agarra com determinação as<br />rédeas da autarquia.<br />Hoje, em Portugal, sabese<br />em poucos minutos aquilo<br />que há duzentos anos demorava<br />a tornar-se conhecido<br />depois de vários dezenas<br />de anos da primeira descoberta.<br />Houve tempos em que<br />isso demorou séculos. Primeiro<br />o telefone fixo, a<br />televisão, os telemóveis e<br />ultimamente a Internet fazem-<br />nos chegar de imediato<br />a informação.<br />Jaime Ramos sabe aproveitar<br />todo o conhecimento<br />a bem dos munícipes. Os<br />munícipes também estão<br />atentos ao que se passa na<br />sua terra e no País. Ouvem<br />atentamente a Rádio Voz<br />do Entroncamento e lêem o<br />Notícias do Entroncamento,<br />a par dos jornais, rádios e<br />televisões nacionais.<br />A cidade cresce a um ritmo<br />vertiginoso. Por todo o<br />lado, as construções explodem<br />em moradias de grande<br />qualidade, em prédios de<br />vários andares. O surto de<br />edificações é enorme e as<br />casas à venda ou para alugar<br />superam as necessidades, o<br />que só beneficia quem as deseja<br />e quer viver no centro<br />do País, gozando as delícias<br />do campo, neste Ribatejo de<br />alegria, espaço e cor, e beneficiando<br />da qualidade de<br />vida de uma cidade de alto<br />nível europeu.<br />A educação tem sido e<br />continua a ser a preocupação<br />principal de Jaime Ramos,<br />segundo o programa<br />que apresentou para o próximo<br />quadriénio, pois venceu<br />mais um mandato, tendo<br />como Vice-Presidente o<br />dinâmico Luís Filipe Boavida<br />e como Vereadores João<br />José Fanha Vieira e Maria<br />João Gil. Como Presidente<br />da Assembleia, João Aires<br />Moreira. Presidente da Junta<br />de Freguesia de São João<br />Baptista, Teresa Maria Ferreira<br />e Presidente da Junta<br />de Freguesia de Nossa Senhora<br />de Fátima, Manuel<br />Pereira Bilreiro.<br />Jaime Ramos no anterior<br />mandato preocupou-se em<br />consolidar todas as estruturas<br />deixadas pelos mandatos<br />anteriores. Desse modo<br />evitou a sua degradação,<br />aumentou-lhes o tempo de<br />vida e a sua funcionalidade.<br />Completou os projectos em<br />andamento. Por outro lado<br />comprou material de ponta,<br />para manter a cidade com<br />uma qualidade de vida invejável<br />em todas as áreas.<br />Como o Entroncamento<br />é uma cidade plana, Jaime<br />Ramos, propôs-se imple<br />mentar uma rede de ciclovias<br />para não só diminuir<br />o trânsito de veículos automóveis<br />no interior da cidade<br />como para incentivar uma<br />maior mobilidade e evitar o<br />sedentarismo.<br />Jaime Ramos continuou<br />a pavimentação de ruas ao<br />mesmo tempo que implementava<br />a conservação da<br />rede viária em vários locais<br />da cidade. Fez a remodelação<br />dos esgotos em várias<br />artérias. Foi feita a conservação<br />e construção de entradas<br />e vedações em escolas<br />de maneira a aumentar a<br />segurança de alunos, professores<br />e funcionários. Fez a<br />requalificação dos Recreios,<br />com parques infantis, em todas<br />as escolas, modernizou<br />edifícios e equipamentos.<br />Mandou elaborar e executar<br />arranjos exteriores tanto na<br />zona envolvente à piscina<br />municipal, como à cobertura,<br />acabamentos e equipamentos<br />da mesma.<br />Comprou veículos de<br />transporte, TURE, e implementou<br />o novo esquema de<br />circulação na cidade.<br />Fez a adjudicação do<br />Edifício da “Redonda” com<br />vista à implementação do<br />Museu Nacional Ferroviário,<br />o que é da mais elementar<br />justiça para esta terra.<br />Ao ser criado e desenvolvido,<br />no Entroncamento um<br />Museu Nacional Ferroviário<br />criará, nesta região, um<br />dos núcleos turísticos mais<br />rentáveis em todo o mundo,<br />conhecidos que são os milhões<br />de apaixonados pelos<br />comboios e por tudo quanto<br />lhes recorde os seus primórdios<br />e o seu enquadramento<br />inicial.<br />O Entroncamento guardou<br />todas estas características<br />porque não teve guerras<br />que lhas destruíssem como<br />aconteceu em toda a Europa.<br />Santarém, Tomar, Torres<br />Novas, Barquinha, Almourol,<br />Constância, Abrantes,<br />Belver, Golegã, Fátima,<br />Chamusca serão extremamente<br />beneficiadas desde<br />que as enquadremos num<br />roteiro turístico bem estruturado,<br />o que não é difícil.<br />Basta deixarmo-nos de rodriguinhos<br />e encararmos o<br />assunto com determinação<br />e profissionalismo.<br />Neste ano em que a CP<br />comemora os 150 anos do<br />começo deste fabuloso e<br />cómodo meio de transporte<br />que é o comboio, nada seria<br />mais coerente do que fazer<br />do Entroncamento, em colaboração<br />com o Município,<br />um pólo de Turismo Ferroviário.<br />Todos os outros concelhos,<br />por onde passa este<br />semeador de progresso, es<br />tarão de acordo. O Entroncamento<br />possui as estruturas<br />e é o melhor situado.<br />Nos seus arredores a Cardiga<br />prepara-se para se transformar<br />em Pousada ou algo<br />semelhante. Na Barquinha<br />desenvolvem-se pólos de<br />entretenimento.<br />Podíamos mesmo delinear<br />um programa turístico<br />aproveitando a Feira Nacional<br />de Agricultura em Santarém,<br />as festas dos Templários<br />em Tomar, a feira do<br />Cavalo na Golegã, a cidade<br />florida de Abrantes e o seu<br />centro histórico, as Pomonas<br />Camonianas ou a festa<br />dos Barqueiros em Constância,<br />as idas ao castelo de<br />Almourol.<br />O Entroncamento é um<br />pólo irradiante que tem<br />como mina de ouro o Comboio<br />desde o seu nascimento,<br />o espaço imenso para<br />manobras, os edifícios, de<br />onde se destaca a central<br />eléctrica e todos os bairros<br />históricos onde há dezenas<br />de casas devolutas, verdadeiro<br />“El Doirado” para o<br />Entroncamento, para a CP,<br />para os Agentes de Viagens<br />e naturalmente para Portugal<br />pois é todo o País que<br />beneficia.<br />Não se pode travar a implementação<br />de um Museu<br />Ferroviário na única locali<br />dade do País que tem todas<br />as condições para o fazer<br />com a desculpa que há núcleos<br />museológicos perto.<br />Mas ninguém diz que não<br />são visitados porque lhes<br />falta vida, porque não têm<br />condições atractivas, porque<br />foram feitos ao arrepio<br />de qualquer estudo de<br />viabilidade, porque as suas<br />condições de segurança são<br />precaríssimas e o perigo de<br />destruição por incêndio está<br />à vista, isto para não ser<br />mais agressivo nas razões<br />porque foram criados e não<br />deviam ter sido.<br />O Entroncamento tem<br />um museu vivo, activo, que<br />mexe, que anda, que fumega.<br />Neste momento, a REFER,<br />até tem um enorme<br />espaço livre perto das bilheteiras,<br />onde estavam as<br />casas dos factores e que foram<br />deitadas abaixo, para aí<br />se poder construir, de raiz,<br />a parte coberta e de estudo<br />não só para os trabalhadores<br />ferroviários, mas também<br />de todos os investigadores<br />portugueses e do resto do<br />mundo que aí queiram desenvolver<br />os seus conhecimentos.<br />Nem nos falta a<br />escola, nem o patrono.<br />O Turismo Ferroviário<br />atrai milhões. Esta cidade<br />nunca mendigou. Apresentou<br />projectos. Baseia-se em<br />factos e em números.<br />O Entroncamento pode<br />aqui continuar o sonho do<br />Infante. Ele no mar, o Entroncamento<br />em terra. O<br />nosso oiro dá pelo nome de<br />Comboio, Museu e aloja120<br />Cunha Simões<br />mento nos Bairros Ferroviários.<br />Todos os apaixonados<br />dos Comboios, e são milhões,<br />sonham viver, alguns<br />dias, em casas de ferroviários<br />e com as condições<br />que tinham há cem anos. O<br />Entroncamento é a única cidade<br />do mundo que os pode<br />satisfazer.<br />Esperemos que a CP e<br />o Governo tenham isso em<br />consideração. É Portugal<br />que beneficia destas circunstâncias.<br />Em 9 de Março de 2006,<br />Cavaco Silva, tomou posse<br />como Presidente da República.<br />Tanto Cavaco Silva<br />como José Sócrates podem<br />ser uma boa surpresa para<br />Portugal. Espero que sejam<br />sensíveis para este valor de<br />âmbito Nacional que até<br />pode ser implementado sem<br />custos para a CP e para o<br />Estado. Basta provocar os<br />agentes turísticos para rentabilizar<br />o empreendimento.<br />Em 24 de Março de<br />2006 a Secretária de Estado<br />dos Transportes, engenheira<br />Ana Paula Vitorino,<br />sem nos ter lido, sintetizou<br />bem aquilo que pretendemos<br />dizer ao longo de todo<br />o livro. “Entroncamento,<br />coração do sector ferroviário...<br />Passado e futuro do<br />Caminho-de-ferro confluem<br />no Entroncamento... O Entroncamento<br />tem sido visto<br />como um ponto de chegada<br />e confluência de várias linhas.<br />Queremos, no futuro,<br />que seja visto como ponto<br />de confluência e partida de<br />novas estratégias.”<br />Na mesma data da apresentação<br />do Plano estratégico<br />da EMEF (Empresa<br />de Manutenção de Equipamento<br />Ferroviário) o Ministro<br />Mário Lino empossou o<br />Presidente do Museu Nacional<br />Ferroviário, engenheiro<br />Carlos Frazão, mostrando<br />com este acto que o Entroncamento<br />tem todas as valências<br />para ser um pólo de<br />atracção de nível mundial. O<br />engenheiro Mário Lino deu<br />credibilidade às promessas,<br />até agora nunca cumpridas.<br />O Entroncamento ficar-lhe-<br />-á reconhecido e Portugal<br />também o lembrará porque<br />vai conseguir rentabilizar<br />uma região que Lisboa nunca<br />soube aproveitar bem.<br />Desde há muitos anos<br />que o Entroncamento é considerado<br />a Capital do Comboio.<br />Mas esta designação<br />nunca fez que a cidade reivindicasse<br />fosse o que fosse.<br />O Entroncamento está<br />habituado a ganhar as suas<br />medalhas pela inteligência,<br />pelo trabalho, por mérito<br />próprio e com a humildade<br />e a modéstia de quem sabe<br />quanto vale.<br />Esta gente não se deslumbra<br />por futilidades, mas<br />conhece a sua importância e<br />sabe aquilo a que tem direito.<br />Jaime Ramos tem consciência<br />disso mesmo. É um<br />homem informado. Os seus<br />colaboradores beberam nesta<br />terra o primeiro leite materno<br />e entregam-lhe sem<br />descanso o seu esforço e<br />dedicação.<br />É muito difícil encontrar<br />outra cidade onde tudo e todos<br />colaborem para o progresso<br />e o bem-estar de todos<br />os cidadãos como aqui<br />nesta terra.<br />Passou mais história, em<br />145 anos, sobre os carris<br />onde viaja, no tempo, este<br />Entroncamento do que nos<br />866 de sobressaltos que o<br />País atravessou. Aqui houve<br />sempre progresso.<br />Entroncamento, a Capital<br />do Comboio? Sem qualquer<br />dúvida.<br />Não foi a viagem de Lisboa<br />ao Carregado que inaugurou<br />o comboio. Foi nestas<br />terras de encontro, neste<br />entroncamento de linhas,<br />que o comboio ganhou toda<br />a sua pujança. Foi com este<br />acasalamento entre a terra, o<br />ferro, as carruagens, as máquinas,<br />as escolas-oficinas,<br />a inteligência e a vontade<br />humana que o comboio ganhou<br />credibilidade e nasceu<br />esta fabulosa e mítica terra<br />que é o Entroncamento.<br />PARA TODOS AQUELES QUE QUEREM<br />SABER COMO ESCREVI ESTE LIVRO<br />Primeiro, andei meses a<br />namorar o Entroncamento,<br />a olhar-lhe o céu, a olharlhe<br />a estação e os carris,<br />as janelas ferroviárias,<br />a observar-lhe as casas<br />com alma e as outras que,<br />com o tempo também<br />elas ganharão pátina.<br />Segundo, passei às antiguidades.<br />Olhei as velhas<br />máquinas, as carruagens,<br />os furgões, os guindastes,<br />as tomadas de água e por<br />aí adiante. Comparei com<br />os novos comboios e com<br />o elegante Alfa.<br />Como já viajei muito<br />no tempo fiz uma reflexão<br />entre o velho e o novo.<br />Confesso que continuo<br />enamorado por ambos.<br />Terceiro, voltei à cidade,<br />primeiro a pé, depois<br />de bicicleta. Parei aqui,<br />ali, acolá, ora fotografando<br />com os olhos, ora com<br />a Olimpus IS 1000 que<br />depois de ter passado o<br />Cabo das Tormentas, suporta<br />todas as minhas distracções.<br />Como ajudantes<br />tenho a Digital Minolta<br />Dimage X, um mini gravador<br />Sony M-88 V e um<br />óculo, marca Tasco, que<br />comprei na Feira da Ladra,<br />mas que é uma verdadeira<br />maravilha em tamanho<br />e poder de alcance.<br />Quarto, para não tropeçar<br />nos enganos pus dois<br />especialistas a folhear o<br />Tempo. O Professor Dr.<br />João Alfredo Donas de Sá<br />Pessoa, perito em História<br />de Arte e amante de comboios<br />e o Dr. José Patrício,<br />filologista e trabalhador<br />compulsivo. O mais estranho<br />é que um está numa<br />Universidade Brasileira e<br />o outro goza a reforma no<br />nosso armazém nacional<br />que dá pelo nome Lisboa.<br />O Patrício foi aos fundos<br />da CP e enviou-me tudo o<br />que encontrou. Deixo já o<br />aviso que a CP tem ainda<br />muito para pesquisar. Os<br />estudiosos sobre o Entroncamento,<br />estou certo,<br />que encontrarão aí muitas<br />surpresas. O Sá Pessoa<br />verificou se eu estava a<br />dizer coisas com nexo ou<br />só a debitar baboseiras.<br />Fizeram o trabalho devi124<br />Cunha Simões<br />do e eu lá fui puxando por<br />mim.<br />Quinto, voltei a olhar<br />a cidade, muitas e muitas<br />vezes. Sempre de bicicleta<br />ou a pé.<br />Sexto, fui ao Museu e<br />à Biblioteca do Entroncamento<br />folhear o que a<br />minha observação me dizia<br />que tinha de consultar.<br />A Biblioteca é um belo<br />espaço, agradável e com<br />muito material que pode<br />ser completado com o<br />que está guardado na Junta<br />de Freguesia, na divisão<br />Cultural da Câmara e<br />no filão da CP. Entrei em<br />contacto com os Cartórios<br />da Barquinha e da Golegã<br />e com o Arquivo Distrital<br />de Santarém. Tudo gente<br />prestável e muito simpática.<br />Li, de ponta a ponta, todos<br />os números da revista<br />do MNF “O Foguete”.<br />Folheei os Jornais “Notícias<br />do Entroncamento”<br />e “O Entroncamento”.<br />As revistas: “Magazine<br />Regiões”, “Vida Ribatejana”,<br />“Revista Nova”<br />e o Jornal Ilustrado “A<br />Hora”. Comparei com o<br />livro, “História da Imprensa<br />no Entroncamento”<br />de Maria Manuela<br />Poitout e Luís Miguel<br />Preto Batista. Continuei<br />com o “Entroncamento<br />– o Caminho-de-ferro,<br />factor de povoamento e<br />de Urbanização”, de Maria<br />Madalena Lopes”. “O<br />Entroncamento – Do mito<br />do progresso à realidade<br />Presente” de Paula Gama<br />do Rosário. “A Quinta<br />da Ponte da Pedra” , “Os<br />Casais das Vaginhas” e<br />“O Edifício do Mercado<br />Municipal”, Hoje, Centro<br />Cultural do Entroncamento”<br />de Luís Miguel Preto<br />Batista. “Aniversário da<br />Igreja da Sagrada Família<br />do Entroncamento” revista<br />comemorativa do 50º<br />aniversário. O trabalho<br />sobre “ O Entroncamento<br />e os seus Fenómenos e O<br />Entroncamento, Bairros<br />Sociais” de Elsa Maria<br />Bracons Bochechas. Percorri<br />os “Elementos para<br />a História da Paróquia<br />do Entroncamento” do<br />Pe. Martinho Gonçalves<br />Mourão. Observei, com<br />interesse, o agradável trabalho,<br />em banda desenhada,<br />“ Como nasceu o Entroncamento”<br />dos alunos<br />do 6 J - 1996/97 da Escola<br />do Ensino Básico Dr. Ruy<br />Andrade. Li o “Guia do<br />Viajante nos Caminhosde-<br />ferro” de Alberto Pimentel<br />e o “Manual do<br />Viajante em Portugal” de<br />Carlos D’Ornellas.<br />Sétimo, quando o livro<br />já estava enroupado<br />fui-o entregando para a<br />crítica aos verdadeiros<br />especialistas, àqueles que<br />viveram acontecimentos<br />e àqueles que também cá<br />vivem há muitos anos e<br />aos mais jovens.<br />Comecei pelo senhor<br />Walter Reis, que imediatamente<br />me corrigiu a<br />mira. A partir desse momento<br />tudo se tornou mais<br />claro.<br />Continuei o caminho.<br />Entreguei-o à Ana<br />Raimundo que quer ser<br />professora e teima em<br />esperar por um lugar ao<br />Sol, ensinando aquilo<br />126 Cunha Simões<br />que aprendeu. O Sr. Luís<br />Augusto Esparteiro, que<br />nasceu há 73 nos no Entroncamento<br />e que guarda<br />tudo quanto diz respeito<br />à cidade. A seguir fui aos<br />homens que deram o corpo<br />ao manifesto para que<br />tudo andasse nos carris.<br />Leu-o o Sr. Joaquim Cipriano<br />que me deu várias<br />sugestões. O Sr. Pereira<br />da Cunha que aclarou certos<br />pontos menos conhecidos.<br />O Sr. João Paulino<br />que me chamou a atenção<br />para alguns pormenores.<br />O Sr. Henrique Torres<br />Pina que fez comentários<br />muito pertinentes. O Sr.<br />Manuel Rosa Oliveira,<br />que tem imensas histórias<br />relacionadas com a vivência<br />de outros tempos. O<br />Sr. Lúcio Neves, que não<br />foi ferroviário, mas gosta<br />de ler e fazer palavras<br />cruzadas. Depois fui aos<br />militares: o Sr. Fernando<br />Pereira dos Santos faloume<br />do tempo em que chegou<br />a esta terra e, quando<br />nos sábados e domingos,<br />o Entroncamento, parecia<br />um deserto. O Sr. João da<br />Silva Alexandre achou<br />que eu exagerei, um pouco,<br />nos elogios. O Sr. Maia<br />Bochechas, como entroncamentense<br />de coração e<br />de raiz, concordou com o<br />trabalho, mas achou que<br />devia dar mais realce ao<br />papel dos militares.<br />Conversei com o Sr.<br />Manuel do Rosário Azevedo.<br />Além de ter andado na<br />primeira Escola Camões,<br />sabe mais de bicicletas<br />do que o próprio inventor<br />deste agradável, saudável<br />e ecológico meio de transEntroncamento,<br />o comboio, a terra e os homens 127<br />porte. É o meu amparo,<br />quando os travões precisam<br />ser afinados. O Sr.<br />Joaquim Patrício Santos<br />foi-me industriando enquanto<br />me cortava o cabelo:<br />“fale com este, com<br />aquele, com o outro”. A<br />Ana Protásio foi-me servindo<br />os almoços sem dizer<br />palavra. Ela sabe que<br />gosto de mastigar ideias,<br />calado, enquanto como o<br />rancho, o cozido, a dobrada<br />ou uma boa feijoada.<br />Enfim, só coisas leves.<br />O motorista do TURE,<br />Sr. António José Faria<br />Russo que dançou no Rancho<br />Folclórico os “Onze<br />Unidos”. O Sr. Artur Pedro<br />que me relatou as peripécias<br />do “Cu da Mula”.<br />O Sr. Joaquim Godinho<br />que começou a trabalhar<br />com 12 anos na farmácia<br />Lucas e que o seu maior<br />sonho era ter estudado.<br />Não pôde ser, mas é um<br />óptimo profissional. O Sr.<br />Manuel da Costa Morgado<br />que me falou sobre<br />o “Parafuso”. A D. Júlia<br />Canhoto que me forneceu<br />indicações preciosas. A D.<br />Laura Botto que me apontou<br />caminhos. O Sr. José<br />Manuel Sardinha que me<br />falou do Monumental e<br />de quem o fundou. O Sr.<br />Manuel Pires de Oliveira<br />que frequentou a primeira<br />escola Camões em 1937<br />e me falou dela com carinho.<br />O Sr. Carlos Lopes<br />que me pôs à disposição<br />material ferroviário para<br />fotografar.<br />Claro que era impensável<br />escrever sobre o<br />Entroncamento sem falar<br />com uma verdadeira<br />128 Cunha Simões<br />enciclopédia viva, o Sr.<br />Eduardo Oliveira Pinheiro<br />Brito, conhecido por:<br />Eduardo O.P.Brito.<br />Toda esta gente, com<br />quem falei, tem histórias<br />riquíssimas! Aqui está um<br />arquivo inesgotável para<br />quem gosta de meditar<br />no valor do ser humano e<br />aproveitar as suas experiências.<br />Os jovens têm no Entroncamento,<br />um manancial<br />para escrever.<br />O Entroncamento, devido<br />aos seus pujantes<br />144 anos, dá-nos a perspectiva<br />do que somos e<br />do que valemos.<br />Nesta terra podemos<br />seguir o percurso dos pioneiros,<br />daquilo que fizeram,<br />do seu trabalho, da<br />sua obra, do seu dinamismo<br />e da sua fragilidade.<br />Uns libertaram-se da<br />morte porque os recordamos,<br />outros regressaram<br />ao pó e desapareceram<br />como as casas, os edifícios<br />que ergueram e os negócios<br />que tiveram. Esta é<br />a condição humana.<br />Se quiseres deixar a tua<br />marca no mundo tens de<br />fazer algo que perdure, e<br />isso só se consegue estudando<br />e trabalhando. Mas<br />se a tua vontade é fraca<br />e preferires o regresso<br />ao pó, ao zero, ao nada,<br />imita os cães, os gatos, as<br />pedras da calçada e tudo<br />quanto te rodeia, mas que<br />não possui inteligência.<br />A cabeça é uma fonte<br />inesgotável de ideias. Experimenta.<br />Verás que consegues<br />colocar no computador<br />ou no papel tudo<br />aquilo que observaste. Só<br />Entroncamento, o comboio, a terra e os homens 129<br />há uma pequenina condição<br />que auxilia a escrita.<br />O estudo. Se estudares<br />tudo será mais simples.<br />Vês as coisas com outros<br />olhos. Compreendes mais<br />facilmente. O estudo evita-<br />te muitos problemas.<br />Dou-te um exemplo.<br />Se te debruçares sobre<br />uma figura típica do Entroncamento,<br />o “Ti Maurício,<br />a carroça e a burra,<br />a Atmosfera” chegarás à<br />conclusão que ele fartouse<br />de trabalhar e que nunca<br />viveu bem, apesar de<br />ser simpático, prestável<br />e sorridente. Devia sorrir<br />por fora e chorar por<br />dentro, mas como homem<br />bom que era, engolia as<br />mágoas. Se ele tivesse<br />estudado, a sua vida seria<br />muito diferente. Pensa no<br />assunto, estuda, mas não<br />te esqueças de te divertires.<br />Tens tempo para tudo.<br />Faz um plano de trabalho<br />e cumpre-o.<br />Como vês é facílimo<br />escrever um livro. A única<br />condição é estar apaixonado.<br />Descobre os sonhos<br />que o Entroncamento te oferece<br />www.cunhasimoes.netvorübergehendhttp://www.blogger.com/profile/10119648142414527692noreply@blogger.com0